| Dispensam apresentações, pois já são parte integrante da nossa música portuguesa.
Os Blind Zero falaram com o Jornal Dínamo® e falaram-nos, entre outras coisas, sobre o novo trabalho “Time Machine – Memories Undone”, um trabalho que foi gravado durante a tour acústica “Confidências”, entre Março e Setembro de 2006.
JD – Falem-me deste novo trabalho “Time Machine – Memories Undone”?
BZ – A reformulação é parte fundamental nos Blind Zero. Desde sempre sentimos uma enorme vontade de reformular os nossos temas.
Após todo o trabalho de criação e experimentação, levamos as músicas ao palco, onde a complexidade do estúdio tem de ser substituída pela força e simplicidade de um concerto. A primeira reformulação, dá-se do estúdio para os concertos eléctricos, e depois as canções começaram a sofrer de novo alterações com o decorrer dos concertos.
No nosso caso ainda gostamos de lhes causar uma nova mutação, e desta vez absolutamente radical. Despimos as canções de toda a sua electricidade e começamos a criar tudo de novo a partir da raiz da canção, da sua essência. Criamos uma nova vida, como se a mesma canção fosse irmã da canção original. Mesmo sangue, mesma essência, mas ritmo e ambiente diferente. De disco para disco temos vindo a fazer acústicos, mas apenas editámos um desses concertos, um acústico na Antena 3 “Transradio”.
Depois da tour do disco “The night before and a new day” resolvemos voltar aos acústicos e começamos a reformular os temas. Após o primeiro concerto sentimos que este era um momento que não podia cair no esquecimento, os temas tinham ganho uma vida própria, as pessoas vinham ter connosco a perguntar se tínhamos gravado o concerto. Por isso acabamos por continuar a gravar todos os concertos e no final da tour, o Nuxo começou a árdua tarefa de ouvir as mais de 40 horas de música e seleccionar os melhores momentos. Acabamos por ter todos os nossos cinco álbuns representados em pelo menos uma canção, por isso acabou por ser uma espécie de “Best of”.
JD – Este pode ser considerado um recordar dos Blind Zero de antigamente ou uma mistura do ontem e do hoje e de alguns projectos ainda por realizar?
BZ – Acaba por ser uma mistura de todos esses factores, é algo que vive de uma recordação, mas também é algo de presente pois os temas estão todos transformados e têm vida própria, e sem dúvida também são futuro pois ainda os estamos a tocar ao vivo. Por isso, ainda é algo em plena transformação.
JD – Falem-me da iniciativa que realizaram relacionada com os vossos 13 anos de Carreira (13 Concertos em 13 horas em 13 sítios diferentes)? Foi um grande desafio?
BZ – O “Evento 13” foi algo que jamais esqueceremos. Nós andávamos a pensar na melhor maneira de lançar o “Time Machine”. Como a rotina é algo que nos aborrece, logo estaria fora de hipótese fazer um concerto de lançamento ou uma festa VIP e chata onde todo o mundo acaba por ir para beber uns copos à borla sem ter o mínimo interesse no que se está a passar. Por isso, queríamos fazer algo que nos desse um prazer imenso e que fosse original, para mais tarde recordarmos com enorme orgulho de mais uma loucura estilo Blind Zero, pois já tocamos num comboio em andamento, em cima de um prédio, no meio de uma movimentada rua, etc. Queríamos levar a música às pessoas que realmente importam e que gostam e que sempre nos apoiaram, por isso tínhamos que fazer algo em que elas também sentissem que eram parte integrante. Lembrei-me de fazermos 13 concertos num camião, em 3 cidades em 13 horas e assim juntarmos o lançamento do “Time Machine” ao nosso 13º aniversário.
Como somos nós os nossos próprios managers, tivemos de ser igualmente nós a por em prática tal façanha … extremamente complicada toda a logística que implica uma viagem de um camião de 18 metros por 4 metros, pelo interior da cidade do Porto, Coimbra e Lisboa em pleno dia, criando inúmeros problemas de engarrafamento e ainda por cima com uma banda a tocar no cimo deste. Graças ao apoio da família Blind Zero (técnicos, agente e fãs) e do Sapo, fez-se um planeamento que fazia lembrar uma invasão militar. Criou-se talvez o evento mais irreverente e ousado de que tenho memoria. Milhares de pessoas viram o camião, milhares de sorrisos por tamanha loucura, um enorme apoio dos nossos incansáveis fãs. Diversões, irreverência, música e estrada são os pilares do rock, por isso, missão cumprida.
JD – “Time Machine – Memories Undone” é mais um registo acústico. É o que vos dá mais prazer ou é mais uma maneira de comunicar a vossa música?
BZ – O “Time Machine” é uma fotografia de um belo momento … mais que um “Best of” é mais que um simples concerto, é mais que um acústico.
Tem mais que os melhores singles da carreira dos BZ, são faixas retiradas de vários concertos, sem gravações e overdubs, tem momentos onde tudo é acústico e harmonioso, onde respira tranquilidade e intimidade, mas logo se transforma numa frenética e ritmada festa. Por isso é algo que se ouve e ainda se pode viver nos concertos.
JD – Consideram que os Concertos que têm dado ao longo destes 13 anos de carreira têm estreitado os laços entre a vossa música e os fãs?
BZ – Sem dúvida. Nós olhamos para cada concerto como um acto único e irrepetível. Tentamos sempre surpreender o público como nos tentamos surpreender. Mudamos parte do alinhamento de concerto para concerto. No início da tour do “Time Machine”, começamos a ter um grupo de 20 fãs que vai a todos os nossos concertos onde quer estes concertos sejam. A forma que descobrimos para compensar a sua dedicação foi fazer sempre uma versão diferente de uma música de alguém. Aconteceram momentos fantásticos, pois todas essas músicas são ensaiadas nos soundchecks. Recordo-me do Elvis, Tom Waits, Radiohead, Jorge Palma, Bruce Springsteen e até aos menos iluminados Bon Jovi. Acho que gostamos tanto que ainda hoje o fazemos. Ao longo destes 13 anos apenas quisemos ser aquilo que admirávamos nas outras bandas. Somos fãs de inúmeras bandas, logo damos aquilo que gostamos e gostaríamos de receber dessas bandas. A relação com os fãs é vital. Começa na música e muita das vezes passa a amizade. Em 13 anos de BZ fizemos amigos em inúmeros sítios. Criámos um sentido de comunidade, e isso reflecte-se na nossa vida e na vida dos nossos fãs.
Por isso, em cada concerto preocupámo-nos com o que fazemos. Sempre tivemos os melhores técnicos e investimos no melhor equipamento, para que a experiência de ver um concerto de Blind Zero seja algo de motivador.
JD – Sendo uma das bandas mais mediáticas portuguesas, como é que lidam com essa popularidade? Há muitos pedidos da parte dos fãs? Como é que comunicam com todos eles?
BZ – Com normalidade. Continuamos a fazer o que sempre fizemos. Nunca criamos qualquer barreira entre nós e as pessoas que nos ouvem. Construímos imensas portas de acesso directo ao nosso mundo. Desde a internet ao relacionamento pessoal, o qual sempre foi o nosso estandarte. Depois dos concertos vamos ter com as pessoas e perguntamos o que acharam. O feedback é essencial para se manter os pés bem assentes no chão. Acho que toda a gente já entendeu como é fácil chegar a nós, daí a fazer com que todas as aproximações sejam um acto natural e não um acto de idolatrização. Todos saímos na terra onde tocamos com as pessoas que nos viram. Assim temos oportunidade de sempre saber o que de melhor tem cada terra, de conhecer as pessoas, etc.
Não entendo como pode ser divertido tocar numa banda, por exemplo dar um concerto em Faro e não acabar nos bares da Rua do Crime. Faro é diferente da Guarda, e Vila Real é diferente de Évora, mas garanto que os camarins e os hotéis passado uns tempos são todos iguais. Temos uma oportunidade para conhecermos locais e pessoas, e divertirmo-nos. Comparo as bandas ou artistas que evitam se aproximar das pessoas fora do palco, com peixinhos de aquário, protegidos por um vidro, iluminados, e vivendo uma vida solitária e fútil. Passado uns tempos a sua música reflecte apenas o seu desinteressante umbigo.
JD – A página da internet, os blogs e os fóruns têm sido uma boa maneira de levar a música dos Blind Zero ao mundo?
BZ – Sim, temos vindo a utilizar a internet desde os seus primórdios, pois é a melhor maneira de levar a música e a mensagem às pessoas e de receber o feedback destas.
Temos página oficial desde sempre, tivemos também provavelmente o primeiro diário de estúdio em 1998, onde diariamente actualizávamos toda a informação das gravações do “Redcoast”, quando apareceram os primeiros blogues, fizemos um em exclusivo para a nossa tour por todas as capitais de distrito “Tour de Force” onde cada um de nós falava sobre um desses concertos e sobre todas as aventuras e desventuras desse dia. Mais recentemente temos o nosso MySpace especialmente vocacionado para o mercado global, e temos vindo também a fazer um interessantíssimo trabalho com o Sapo; temos um blogue de vídeos oficiais e menos oficiais, que estão a ser quase como um registo vídeo da nossa vida BZ.
Ao longo dos tempos temos vindo a manter a mesma política de sermos nós a tratar directamente de tudo. Todos os emails, mensagens etc. são lidos por nós. Não faria sentido se assim não o fosse. Por isso, por vezes demoramos…
JD – Qual foi a Sala onde vos deu mais prazer tocar e qual o concerto que mais vos ficou na memória?
BZ – Quando se tem tantos concertos como nós já tivemos, é impossível escolher um concerto ou uma sala. A satisfação não é apenas do concerto, mas do antes o durante e o depois do concerto. Tudo isto junto faz o concerto perfeito. Posso destacar algumas boas recordações:
- 1º Termómetro Unplugged (porque ganhámos com 3 meses de banda)
- 1º Tour no Porto em 1994 (o esgotadíssimo “O meu Mercedes é maior que o teu” com mais uma centena de pessoas a querer entrar e a não conseguir)
- 1º Superbock SuperRock (tocámos no palco principal com algumas das nossas bandas favoritas, Cure, Jesus & M.C., Faith no More, Young Gods, etc)
- Johnny Guitar Lisboa (quem foi ao Johnny sabe da mística que existia naquele espaço)
- Palco 6 – Expo 98 (Rock N’ Mosh N’ Roll)
- Festival de Paredes de Coura (todas as vezes que lá tocámos tivemos provavelmente um dos melhores públicos do mundo)
- Sudoeste (estava a ser um concerto muitíssimo bom, entrou o Jorge Palma e tornou-se memorável, “Downset is Tonight” e o “Bairro do Amor”)
- Hard Club (era como tocar em casa, o 10º aniversário foi uma outra noite mágica)
- Queima das Fitas do Porto e de Coimbra (por serem as queimas das nossas universidades, onde o factor casa cria uma química tão grande, que ultrapassa um simples bom concerto)
- Festivais em Itália e Espanha (por ser novidade, e por vermos que a nossa música tem a capacidade de envolver e criar emoção em pessoas que pouco ou nada sabem sobre nós)
- Tour de Force (foi a tour das tours, onde tocámos 18 vezes e apenas com palco, quase sempre sem P.A. e sem Luzes, onde transportamos a nossa sala de ensaios para todas as capitais de distrito num mês e pouco, onde cada concerto era uma festa, antes, durante e depois. Aconteceram momentos surreais como Faro, onde tocamos ao ar livre, sem palco, e choveu no meio do concerto e nem o público nem a musica pararam com a forte chuva e choques eléctricos, foi felizmente um daqueles momentos em que adrenalina do momento supera a lógica…
- Ilhas (a arte do saber receber, beleza natural, publico movido por musica, só pode ser o …éden do Rock)
- Casa da Música e CCB (o “Time Machine” teve aqui o seu início, foram dois concertos fantásticos onde a vontade do público e a vontade de registar esta fase dos Blind Zero fez com que uma simples gravação se transformasse nas primeiras músicas de um disco ao vivo)
- Rua de Santa Catarina no Porto (… e se fossemos festejar o lançamento do nosso disco, num pequeno palco num atrelado, no meio da rua, sem avisar ninguém e sem licenças?)
- Evento 13 (… e se 10 anos depois de Santa Catarina fossemos festejar o lançamento do nosso disco e os nossos 13 anos, num camião de 18 metros por 4 metros, com 13 concertos, em 13 horas, em 3 cidades com 150.000 watts de som?)
JD – Os concertos vão continuar? Qual vai ser o vosso itinerário?
BZ – Claro que sim, este ano temos tido muitos concertos, estamos agora a fazer em simultâneo concertos eléctricos e acústicos. É curioso como criamos uma dependência tão grande dos dois e como os dois se têm vindo a relacionar e influenciar.
Nos acústicos e intimistas temos vindo a aumentar a intensidade e no meio dos concertos eléctricos, tentamos transformar o recinto em uma pequena sala intimista.
Os alinhamentos de ambos são muito diferentes, e musicalmente é como se fossemos duas bandas distintas. Usamos até instrumentos diversos para a sonoridade ser radicalmente diferente. O contra-baixo, acústicas, melódica e pedal steel, são os meios que serviram para atingir a sonoridade do “Time Machine”. Um disco onde a descarga eléctrica é substituída por uma relação intima entre harmonia e espaço.
JD – O Jornal Dínamo agradece aos Blind Zero e deseja-lhes as maiores felicidades.
Fotos: Blind Zero