9 de Julho
| O terceiro e último dia do “NOS Alive” haveria de começar com o cansaço já a reflectir-se nas pernas das perto de 155 mil pessoas que peregrinaram até ao Passeio Marítimo de Algés.
Depois de uma noite em cheio, com concertos como Tame Impala, Radiohead entre muitos outros, o terceiro dia do “Melhor Cartaz” seria dominado pela francofonia vinda do Canadá pelos Arcade Fire ou ainda do mesmo território mas da facção saxónica, com Grimes e ainda no encerrar do dia com o francês Anthony Gonzalez aka M83, entre muitos outros.
A bonança de José Gonzalez
A última vez que vimos o cantor sueco mas com origens na Argentina, foi na edição do “NOS Primavera Sound” 2015.
Se a actuação no festival nortenho foi serena e naturalmente feliz, a apresentação do artista no Palco Heineken seria naturalmente um desafio, considerando que o palco em causa costuma ser bem mais eufórico e não tão dado as sonoridades indie/folk, onde José Gonzalez é mestre e contador de estórias.
Tal como na última aparição do artista em Portugal, Gonzalez regressa ao seu cancioneiro pós Junip, assentando arraiais em “Vestiges & Clawns” (2015) e “Veener” (2003), não descartando claro, a recordação do projecto que o viu nascer.
Na abertura, começou logo por arrancar uma grandiosa salva de palmas com a interpretação de “Crosses”, que seria como uma injecção de pacificação do público, para os convidar a entrar nas delicadas melodias de Gonzalez e da sua guitarra Alhambra.
Entre as covers de Kylie Minogue (“Hand on Your Heart”) e o “Walking Lightly” do homónimo dos Junip, Gonzalez revela sempre um espírito muito tranquilo e dedicado na prestação, o que serena sempre uma audiência que por norma é bem mais exaltada e receptiva a sonoridades pop electrónico.
A Festa dos Arcade Fire
A verdade é que quando falamos de Arcade Fire, estamos a falar naturalmente de uma grande festa e de uma banda orquestrada por 7 elementos, cada um dedicado ao seu instrumento, que no seu conjunto, formam uma das mais geniais bandas da actualidade.
Sim, os Arcade Fire são fruto do amor entre Win Butler e Régine Chassagne e é desse amor que nasce um filho que foi adoptado pelo mundo da música e pelos fãs, que na mais humilde das garantias sabem que podem dançar em cenários distintos que acabamos por criar mentalmente, onde damos largas à nossa imaginação mais profícua.
Pelas 22H45, entrava em palco uma das bandas mais acarinhadas pelo público português, sob espelhos e muitas luzes.
O combustível da máquina seria naturalmente “Reflektor” (2013) como o grande prato a ser servido neste banquete, no entanto uma carreira de luxo, de mais de dez anos, como a dos Arcade Fire obrigatoriamente teria que abarcar álbuns como “Funeral” (2004), “Neon Bible” (2007) e “The Suburbs” (2010).
O espectáculo cénico, incrementaria a grande celebração da actuação que se iniciou logo com “Ready to Start” e “The Suburbs”.
Se viajarmos até à anterior actuação dos canadianos em Portugal, na edição do “Rock in Rio” de 2014, claramente constatamos que estamos perante um público aqui no “NOS Alive” muito mais fiel e apaixonado pela banda, e percebemos que quando Win Butler e companhia abriram as asas, voaram alto e numa clara devoção pelo público presente no Passeio Marítimo de Algés, transformando o recinto numa festa que explodiria logo nos temas mais emblemáticos da banda e que fariam as delícias do público.
Com o desembocar nos temas do último disco, “Reflektor”, “After Life” e “We Exist” (com uma alusão aos Nirvana), que fora um dos pontos mais altos da actuação, uma legião de fãs acompanhou a banda de goelas bem afinadas e fomos religiosamente levados a uma pista de dança, onde alguém no meio de tanta euforia dizia, “somos todos como pequenas e delicadas bolas de sabão que voam sem limite”!
Todos sabemos que uma das imagens de marca dos canadianos originários de Montreal (Canadá), são os cabeçudos que acabariam também por entrar em palco para abrilhantar ainda mais a festa, que pelo meio teve ainda temas como “Intervention”, dos Sex Pistols.
No meio de tanto amor entre o público e a banda, houve uma palavra de apreço da banda para desejar a melhor sorte à Selecção Nacional que jogaria no dia seguinte e que felizmente viria a sagrar-se Campeã Europeia de Futebol.
Terminada a actuação, o deleite do público transbordava e uma coisa era certa, o “NOS Alive” traria este ano, uma das edições mais luxuosas de sempre e de invejar grandes cartazes europeus como o “Primavera Sound” de Barcelona ou Glastonbury. Não somos somente nós a afirmar, a TME ou o New York Times também o consideram e a realidade é que feitas as contas, sim o “NOS Alive” é sem dúvida um dos melhores festivais do panorama mundial com uma proposta que vem superando as expectativas do público português e internacional, que este ano atraiu mais de 35 mil pessoas oriundas de mais de 85 países.
M83 ou GRIMES? (O dilema)!
Desde que a redacção do Jornal Dínamo® tem sido presença assídua nos melhores festivais nacionais, que nunca nos deparamos com tamanha dúvida.
Se por um lado teríamos Anthony Gonzales, mentor de M83 a encerrar a festa no Palco NOS, por outro lado não poderíamos negligenciar a actuação, no Palco Heineken, que seria a primeira em solo nacional, de Claire Boucher reconhecida internacionalmente por Grimes.
Por muito que nos corte o coração, M83 já não são novidade e ainda que tenham editado um novo álbum este ano, “Junk” e tenham uma série de temas de um dance pop que revisita as sonoridades cósmicas dos anos 80, Grimes seria a opção indicada e tal como nós, também o público se dividiu entre os dois palcos.
Para quem desconhece, Grimes é aquilo que poderemos considerar uma one woman show. Para além de cantora e multi-instrumentalista, Claire Boucher é mentora de todo o projecto cénico, produtora dos seus próprios trabalhos de estúdio, bem como faz questão se ser ela própria a dirigir todos os seus vídeos.
Com todos estes atributos, não admira que Grimes esteja a pouco e pouco, a consolidar uma vasta legião de seguidores em Portugal e pelo mundo fora, e que o seu canto de sereia explosivo seja uma das propostas da pop electrónica que tem sido considerada como, as das mais revigorantes da última década.
Para percebermos bem o universo de Grimes e toda a sua complexidade psicadélica com batidas emotivas que causam o caos cósmico, encontram inspirações no Sci-Fi e mais recentemente no K-Pop (Art Angels, 2015), precisamos de regressar ao pré-lançamento de “Visions” (2012).
Na altura, já Claire havia escrito todo um trabalho, mas que acabaria por deitar fora, isolar-se do mundo, passar quase duas semanas sem comer e dormir com o intuito de, através da mortificação do corpo e da própria mente encontrar um caminho que levaria à edição de um dos mais aclamados álbuns de 2012.
Grimes é filha dos tempos da internet e das redes sociais e a busca pelas inspirações estilísticas e estéticas num tempo que por vezes se encontra esgotado e gorado no panorama musical fazem da sua excentricidade uma ilustração do melhor que poderemos encontrar na pop.
Naturalmente com todos estes adjectivos, claramente que se esperava uma enchente no Placo Heineken e julgamos que a reacção da artista foi de surpresa, o que se materializou numa actuação explosiva.
“Art Angels”, que é uma equação difícil mas deliciosa que abala os paradigmas da pop com recurso a cenários do urbano vampírico e sonoridades do pop coreano, seria a plataforma de lançamento para uma hora bombástica.
“REALiTi”, foi logo lançado para o público de forma destemida e sem complexos.
Claire envergando uma bandeira da causa LGBT encontrou logo o seu lugar junto do público português e admirada, constatou logo que as mais de dez mil pessoas que fizeram do Palco Heineken rebentar pelas costuras, iriam ficar de pedra e cal para dançar e ingressar na loucura da artista.
Com “Flesh without Blood”, estávamos perante o combustível necessário para incendiar a plateia que estava sedenta por dançar e cantar, numa das actuações mais memoráveis desta edição do “NOS Alive”.
Grimes que se fez também acompanhar por uma dupla de bailarinas que gesticulavam de forma diabólica, atacou de seguida com “Venus Fly” (que em estúdio conta com a parceria de Janelle Monae) e num interlúdio quase eclesiástico de “Art Angels” regressa de seguida ao álbum Visions, com “Go” (tema editado com Blood Diamonds, que se viria a tornar num fracasso comercial mas que ao vivo é um tema potente, onde se reconhece que a prestação dos agudos de Claire saem como um feitiço melódico).
Um dos temas cantados na noite e que em 2013 foi considerado pela revista norte-americana Pitchfork, como a melhor canção da década, foi “Genesis”, mas seria no álbum editado em 2015, “Art Angels”, que o público presente se mostraria incansável e disposto a mais fogo.
Destaque ainda para “Scream”, onde Grimes eleva a fasquia e interpreta copiosamente a rapper tailandesa Aristophanes, numa mescla gutural e rap que acabariam por fazer render os mais cépticos à criatividade da artista canadiana.
A encerrar e com chave de ouro, “World Princess Part II” e “Kill v. Maim” (esta última, a melhor canção do álbum) que levaria os presentes à total esquizofrenia selvagem e a arrancar uma verdadeira ovação do público.
No encerramento da décima edição do NOS Alive, houve ainda as actuações de Boys Noize no Placo Clubbing e Ratatat, colocando todos os sobreviventes a dançar até perto das 4 da manhã.
Fotos: Arlindo Camacho e Hugo Macedo / actuallygrimes.tumblr.com