Na ressaca do primeiro dia do NOS Alive 2015,
ainda andava meio mundo entre umas cervejas e uns passeios pelo recinto, a reboque do ainda concerto MUSE e de uns outros tantos concertos que haviam marcado a noite anterior.
Ainda assim já era hora de começar a alinhar as propostas para o segundo dia do festival.
Embora os nomes grandes desfilassem no Palco NOS, o segundo dia escreveria a sua história da edição de 2015 no Palco Heineken.
CAPICUA – De Pé Torcido mas Indomável
A história do hip hop português confunde-se com as suas origens que, embora sejam um pouco imprecisas, nascem do advento da década de 80 do hip hop norte-americano e que rapidamente penetraram em Portugal por via do cinema, onde a exemplo da cena americana ficou rotulado como uma música das subculturas urbanas, primeiro nos guetos, generalizando-se nas zonas suburbanas do Porto e Lisboa.
Há ainda quem considere o Porto, como o eterno bastião do hip hop nacional e é nesta região do país, onde efectivamente emergiram grandes nomes do hip hop nacional como os Mind Da Gap ou Paulo Pinto, considerado o Big Boss do hip hop nacional.
Por esta altura, ainda Ana Matos Fernandes, nem imaginaria vir a tornar-se o fenómeno que actualmente é em Portugal e para a comunidade do género.
A artista que enverga o cognome de Capicua, nasceu e cresceu no Porto a gostar de rimas, trocadilhos e jigajogas de palavras que se transformam em verdades que explodem ao ritmo de batidas bem sincronizadas e, mãos ao alto porque este é um hip hop que tem o rosa como bandeira mas fala directo e muitas vezes em cores bem realistas e acutilantes.
Embora à mesma hora, actuassem no Palco Heineken os Kodaline e no Palco NOS, os australianos Sheppard, desta vez a decisão não foi difícil, foi nacional e bem certeira.
Capicua tem carisma, sabe ocupar um palco e dominar um público por vezes céptico em relação ao género, mas no Alive ela dominou e para os presentes do NOS Clubbing, não existirá vivalma arrependido da escolha.
Nem só de “Vayorken” é feita a carreira de Capicua, muito mais há nesta artista nortenha que se fez acompanhar no NOS Alive da sua compagnon de route, Ana Bateira e assim destilar rimas em sintonia com batidas electrónicas como “Maria Capaz”, “Medo do Medo”, “Medusa”, “Casa no Campo”, entre outros.
O “pé meio torcido, meio partido”, conforme Capicua admitiria logo no início do concerto foi meramente um pormenor para a explosão de hip hop que encantou os presentes com a certeza de que esta artista ainda tem muito a dar à música e aos portugueses.
Destaque ainda para todo o grafismo que fez acompanhar a actuação da artista portuense, que de um minimalismo e até de um infantil grafismo, complementou de forma enriquecedora a sua performance.
O DISCO DANCE dos The Ting Tings
A incansável maratona festivaleira continuaria logo no imediato para a tenda Heineken para agora subir ao palco a dupla britânica The Ting Tings, que em solo nacional apresentariam “Super Critical”, terceiro disco editado em 2014.
A banda trouxe-nos os ritmos dos anos 80 com influências do “disco music” de Diana Ross, apresentando-se em palco com atitude de quem os muitos anos de carreira já dão algum conforto em palco e sabem bem como puxar por um público que estava ali para dançar ao som de temas como “Wrong Club”, “Only Love” ou ainda os singles que catapultaram a banda para os tops de vendas internacionais como “That´s not my name” e “Shut up and Let me Go”, os temas mais aguardados pelo público português.
Uma actuação de qualidade e que engrenou o público para o que ainda viria a ser uma noite de disco no Palco Heineken.
Mumford & Sons – Bluegrass, Banjo, Violões e Pouca Sorte
Uma longa travessia num deserto não árido mas com secura q.b. na recepção do público, seria o resumo do concerto dos Mumford & Sons.
A banda inglesa, tem uma vasta legião de seguidores em Portugal, que esteve ali para matar saudades do concerto dado por terras lusitanas no ano de 2012.
No entanto, decorridos três anos, parece que os ingleses estão ligeiramente enferrujados no que toca a apresentações ao vivo.
O facto também e talvez por estarem um pouco desenquadrados do alinhamento do Palco NOS no segundo dia do festival (antecederiam aos Prodigy), fez quiçá o concerto da banda demasiadamente ameno e com uma recepção pouco eufórica, salvo por alguns momentos de maior entusiamo como foi por exemplo no tema “I Will Wait”, logo no início da actuação.
A banda de folk que é confessamente apaixonada pelo nosso país, desta vez vinha com “Wilder Mind”, que não tem sido convincente nos corações dos seguidores portugueses.
Na prestação, não existem erros a apontar e tecnicamente são bons e isso tornou a actuação competente, mas esse não foi o motivo para que o público se rendesse ao encantos de outrora.
Future Island – uma Danceteria Abençoada
Conforme já referido neste artigo, a aposta do segundo dia do NOS Alive ficaria na história da edição de 2015 pelas actuações de qualidade muito acima da média do Palco Heineken, e os Future Island foram uns dos bem feitores desta bonita história dos festivais em Portugal.
Os norte-americanos, originários de Baltimore, são daqueles espécimes do rock que caíram na graça do público português pela sua originalidade que retoma os sintetizadores e ritmos dos anos 80, fazendo deste concerto uma lufada de ar fresco para os presentes.
À boleia do extraordinário sucesso do quarto disco “Singles”, motivou uma enchente de festivaleiros que acorreram para dançar e cantar vigorosamente com o trio norte-americano.
A proposta pop em harmonia com um rock que se dança em boas doses de adrenalina, dominou a prestação, destacando-se a presença em palco do líder Samuel T. Harring bastante carismática que monopolizou todas as atenções para a suas exuberantes coreografias ao longo da actuação ao vivo.
Em boa verdade se diga que Harring sabe que apostar em temas de álbuns que são mais desconhecidos seria um risco, mas a compensação viria no imediato, com a receptividade de um público que tinha na ponta da língua os temas “Long Fight” e “Walking through that door” que brilharam com as texturas guturais que Harring aplicou sem contrastar com os temas de “Singles”, mais homogéneos e energéticos como foi exemplo “A dream of you and me” e “Sun in the Morning” que em estilo de celebração proporcionaram um excelente momento do festival.
The Prodigy – 25 Anos de uma Carreira Electrizante
Pela 11ª vez em solo nacional, os britânicos The Prodigy voltam a fazer história em Portugal.
O público do Alive não lhes é um desconhecido (actuaram em 2009), mas desta vez os 25 anos de carreira e muitos sucessos foram motivo mais que suficiente para os The Prodigy atestarem o facto de que são uns monstros no palco e em cada enchente deixam as audiências no olho de um furacão electrizante.
A rave a que os britânicos normalmente criam em torno de um concerto incendiou o Alive (na verdadeira acepção da palavra) e há que perceber que o tempo não passa por eles, havendo quem na audiência referisse que eles são e serão sempre actuais.
A juntar a todos estes atributos, “The Day is my Enemy” era naturalmente um dos pratos a serem servidos nesta eucaristia diabólica onde acorreram ao recinto do Alive mais de 47 mil pessoas que estavam desejosos pela entrada gloriosa da banda.
E porque não há tempo a perder com palavrinhas mansas, “Breath” começou logo como uma espécie de timoneiro para a actuação que encerraria o segundo dia no Palco NOS.
Muitos sucessos de carreira foram intercalados com palavras de ordem, chavões típicos de bandas carismáticas como são os The Prodigy, mas que encaixam na imensidão de seguidores que disfrutaram de uma viagem à década de 90 com temas como “Firestarter”, “Voodoo People” e pois está claro o epinício “Smack My Bitch Up” do icónico e triunfal álbum de 97, “The Fat of the Land”.
Uma actuação totalmente despida de preconceitos para os heréticos The Prodigy, que apesar de 25 anos de carreira e já serem uns cinquentões bebem do cálice do vigor e juventude.
James Blake, o Oásis Perfeito
É mesmo isso, com todas as qualidades que o cantor britânico James Blake tem no curriculum, também foi o oásis perfeito para quem fugia da comunhão de ritmos electrizantes do concerto em simultâneo no Palco NOS.
Os beats soavam como uma bênção celestial nos ouvidos dos presentes, em contraste com a apoteótica apresentação dos The Prodigy bem ali ao lado.
Há em James Blake todo um estado de espírito que necessariamente nos leva por cenários densos e atmosferas cristalinas onde a quietude dos momentos nos fazem levitar e desapegar-nos do mundo lá fora.
Na segunda vez que pisou o Palco Heineken (feliz actuação também em 2011 no mesmo palco), no Festival Alive, James Blake foi feliz mais uma vez, com um alinhamento meticulosamente escolhido para os presentes… Sim! Quem por ali esteve, estava por vontade própria mas outros há que aproveitavam o momento para pôr a conversa em dia (pecado capital), pois acabariam por não disfrutar das construções sonoplásticas onde Blake é mestre e pelo qual é um pouco por todo o mundo reconhecido como génio.
A abrir “I Never learn to Share” do homónimo “James Blake”, foi como um raio de luz que enfeitiçaria os presentes num encantamento pela simplicidade e doçura electrónica de Blake que rapidamente se tornou num amor contemplativo pela bestialidade do músico.
Devo confessar, James Blake há muito que faz parte dos músicos que estão no destaque das minhas preferências e torna-se impossível ser-se imparcial perante este prodígio que com tão poucos anos de carreira, construiu um sólido património que acredito, perdurará na música durante umas boas décadas.
De olhos bem ternurentos, Blake enfrenta um público que o estima e que ele também estima e nesse missal de construções sonoras que chegam a ser hipnóticas, vai desbravando no line up temas como o soberbo “Limit to Your Love” que colocam toda uma assistência a cantar em uníssono.
James Blake, com todas as distinções e rasgados elogios da crítica especialista, traz-nos ainda, os sensacionais temas do álbum editado em 2013, “Overgrown” como “Digital Lion”, “Life Round Here” e o single de maior sucesso do segundo disco de estúdio, “Retrograde”, expoente máximo da fusão de sonoridades soul com intensas batidas electrónicas em que os sintetizadores assumem um papel de relevo desaguando num dos mais bonitos e intensos temas do cantor britânico.
A encerrar a actuação, um regresso ao primeiro disco, o homónimo “James Blake”, com o tema “The Wihelm Scream”, arrancando uma verdadeira salva de palmas de louvor pelo carisma simplista e por vezes tímido da coqueluche da música britânica.
Róisín Murphy – Naughty Girl
A irlandesa, Róisín Murphy, ex-vocalista do Moloko, há muito que fala em nome próprio, continuando a sua senda na música com recursos estilísticos que preenchem uma qualquer pista de dança com tonalidades soul ritmadas com sets electrónicos, dignos de uma saturday night fever.
“Hairless Toys” foi a base da actuação de uma artista que dispensa apresentações. Depois de uma abstinência no que concerne à edição de discos, eis que oito anos depois do irrepreensível “Overpowered”, chega-nos este, que é um trabalho mais intimista e experimental que o antecessor, que pautava por uma pop concertada com os prazeres da sexualidade.
Uma performer que traz consigo um alinhamento que se materializa na constante teatralidade do espectáculo a que o Alive assistiu no Palco Heineken.
Múltiplos figurinos, máscaras e algum show-off, foram o pano de fundo para o desenredar de um alinhamento que começou com o sucesso dos Moloko “Familiar Feelings” mas acabou por se centrar nos temas de “Hairless Toys”, negligenciando alguns temas chave da carreira, que o público estava desejoso de ouvir.
A banda que a acompanhou respondia com a intensidade dos “beats” electrónicos que caracteriza as actuações da artista irlandesa, proporcionado momento de sedução com um público que tinha percebido que não iria vergar as vontades na promoção do recente disco.
Em declarações à RTP, numa entrevista exclusiva, a artista esperava do público histeria, dança e muitos sorrisos. Naturalmente que a competência da artista, aliada a um namoro longo entre os portugueses e Róisín Murphy, foram perfeitamente correspondidos com muita dança ao longo da actuação e alguma histeria, é verdade, mas um sentimento agridoce por não haver mais batidas “Overpowered”.
No final da actuação, restou-nos o cansaço mas satisfação de um dia que havia sido recheado de boa música.
Ver Fotorreportagem Jorge Buco
Fotos: Jorge Buco / NOS Alive
Agradecimentos: Everything is New / NOS