NOS Primavera Sound 2014
| E ao segundo dia do Festival, não se cumpriu a temida profecia gerada em torno do clima e muito embora pairasse a ameaça constante de chuva que poderia estragar a festa, São João, padroeiro do Porto, lá meteu uma cunha a São Pedro e fez-se o tempo ameno que permitiu uma atmosfera quase bucólica para desfrutar de mais um dia de um luxuoso cartaz da iguaria musical do Primavera Sound (porque afinal entre negociatas divinas, nós cá não nos metemos e até agradecemos o auxílio).
Há um aspecto, no entanto, que gostaria de partilhar: no segundo dia do Festival, para além dos Palcos NOS e Super Bock, foi possível usufruir ainda dos palcos ATP e tenda Pitchofork (sonoridades electrónicas). Por muito que eu quisesse acompanhar todos os concertos, esta tarefa foi humanamente impossível, pelo que tive naturalmente que fazer uma selecção de concertos relevantes e que considerei mais importantes.
Da multiplicidade de gostos, havia que ter a sorte de estar no sítio certo para poder degustar do melhor que o Primavera tinha para nos oferecer.
Os adereços florais engalanavam as meninas e os copos de imperiais eram os fiéis companheiros da rapaziada que entre um cigarro e dois dedos de conversa aguardavam, o que eu considero o dia mais gratificante no desbravar da música alternativa.
Como já referi no testemunho do primeiro dia, a pontualidade foi religiosa e a organização e os artistas foram de uma educação invulgar em não fazer o público esperar, pelo que naturalmente pensava no cavalheirismo que ainda existe quando lembramos que há pessoas que gastam entre €55 a €110 para ir a um festival.
Como era sexta-feira e embora andasse meio mundo no Primavera, o Porto não parou a sua actividade normal e a cidade lá aprontou das suas e lamentavelmente não consegui assistir ao concerto dos HHY&Macumbas, Torto e Vision of Fortune.
Entre Bamnam and Silvercork e Antiphon
São 18H50 a marcar no relógio e entram em acção os Midlake. Calma, a acção é meramente inércia da tranquilidade do movimento caminhante da banda para o palco, até porque os Midlake não têm na sua carteira de adjectivos, serem uma banda capaz de arrebatar pela máquina mas sim pela magnificência com que conseguem cativar as atenções na sua espiral entre o pop e o rock.
Os norte-americanos de Austin – Texas, têm já uma carreira de 15 anos e 4 álbuns de estúdio que tem oscilado entre o folk rock, influenciados pelos compatriotas Fleet Foxes e o pop da década 80, o qual se integrou perfeitamente na harmonia que se vivia por aquela altura no recinto.
Os MidLake abriram a actuação com o tema “Head Home” do álbum “The Trials of Van Ocuppanther” e entre visitas que foram aos temas mais antigos dos tempos de Bamnam and Silvercork e aos mais recentes de Antiphon (editado em 2013).
Os Midlake têm um modus operandi apoiado em vocalizações intensas, postulando a receita em refrões que assentam emback vocals onde demonstram a intensa sonoridade que resultou numa quase perfeita actuação.
Temas como “Provider” ou ”Roscoe” foram recebidos com carinho e clara empatia do público com a banda que ao longo da actuação mostrou simpatia e boa disposição. Não poderei esquecer a quase perfeita saudação em português do teclista da banda, Jesse Chandler, que viveu no nosso país durante 4 anos e mostrava-se “feliz por estar no Porto e pela chuva ter parado” ou um quase evidente e invariável louvor ao nosso Vinho do Porto.
Entre palmas e alguns assobios em jeito de agradecimento dos presentes, já se começava a ver o enorme aglomerado de festivaleiros que se começavam aproximar do Palco NOS para assistir a um dos mais aguardados concertos do segundo dia – Warpaint.
Pelo meio ainda deu tempo para abastecer uma imperial e encontrar colegas de trabalho, amigos de infância e estrangeiros que foram metendo conversa ou porque precisavam de dicas para um restaurante com comida típica portuguesa ou simplesmente porque queriam comentar o concerto que acabaram de assistir ou aguardavam para ver mais tarde.
O Primavera é daqueles festivais em que qualquer um pode ir sozinho e nunca se sentir abandonado (talvez porque a descontracção é a aliada perfeita do espírito de convívio) … há sempre espaço para uma troca de impressões sobre uma ou outra banda que se quer ver com um ilustre desconhecido que momentaneamente partilha sem vergonhas nem receios, um ou outro palpite.
Composta a plateia, começam a chegar as miúdas que trazem na bagagem o mais recente trabalho de originais, o homónimo Warpaint.
Oriundas dos Estados Unidos – Los Angels, as Warpaint são uma banda praticante do dream pop, com contornos atmosféricos onde partilham sonoridades entre bandas como Beach House ou Siouxie&The Banshees.
A ornamentar o cenário em formato gigante, a bela capa do último álbum que num jogo de ilusão óptica e num excepcional trabalho de fotografia mostram as integrantes da banda.
Numa onda bem cool e sem reclamar grande protagonismo eis que se apresentam em palco Emily Kokal (vocais e guitarra), Theresa Wayman (guitarra, teclado e vocais), Jenny Lee Lindberg (baixo e vocais) e Stella Mozgawa (bateria e teclados), em modo bonecas “Monsters High” para nos saciar uma sede crescente que vinha desde 2011, ano em que deram o seu primeiro concerto em Portugal, no Festival Paredes de Coura.
O cenário enublado caia bem com o concerto, ao que para abrir foi escolhido o tema “Undertow”, título do primeiro disco de originais “The Fool” editado em 2010, sucedendo-se de imediato o provavelmente e pessoalmente mais interessante tema da banda “Love is to Die”, do mais recente trabalho de originais.
Atrás de mim, surpreendentemente encontrei pessoas que no meu dia-a-dia me cruzo e vejo num tom composto e formal de fato e gravata, mas que num ambiente diferente até cantaram comigo em uníssono “Love is to die, love is to not die, love is to dance…”
Numa textura orgânica e sem grandes oscilações, apoiando a actuação em vocalizações das demais integrantes, sucederam-se “Disco//Very” entre muitas outras com especial destaque para o tema “Ashes to Ashes” do camaleónico Deus da pop, David Bowie.
Em resumo, um concerto que preencheu as nossas expectativas.
Naturalmente não se pode dizer que foi excepcional, mas fica a esperança de uma eventual visita ao nosso país a título individual, quiçá numa Aula Magna.
Por esta altura já eram umas 21H00 e pelos palcos ATP já haviam actuado os Follakzoid e os Television performing “Marquee Moon”, que com muita pena não consegui ver mas que foram relembrados pelas compatriotas Warpaint.
Cantar, Adorar e Sonhar!
Se banda há, capaz de causar arrepios e pôr os ossos a ranger nas múltiplas sensações que a música é capaz de provocar no ser humano, Slowdive são uma resposta mais do que óbvia.
Os britânicos e pioneiros do shoegazing (para quem não sabe é um estilo de rock alternativo, oriundo da Inglaterra do Sul nos finais da década de 80, caracterizado por ser um som introspectivo, onde as bandas entravam numa dimensão alheada da realidade, sem absoluta preocupação com a prestação) trouxeram ao Palco Super Bock o que eu posso considerar um espectáculo contemplativo, cerimonial e hipnótico.
Sim, é verdade! Chorei, cantei, sonhei, arrepiei-me e até fui o mais egoísta dos espectadores que assistia ao concerto numa fila da frente sem qualquer obstáculo e em sincera opinião, sem me importar com o restante público.
Era eu e os Slowdive, na mais profunda simbiose que qualquer ser humano, pode ter ao ver uma das suas bandas de eleição.
Porque os banquetes são servidos de boa música e bom vinho, a abrir a actuação serviu-se logo uma das melhores reservas, de 1991, o tema “Slowdive” do trabalho de estúdio “Just for a day”, seguindo-se “Avalyn” e “Catch the breeze”.
Eu já clamava aos céus para que este concerto não terminasse, ao meu lado uma francesa, de seu nome Aurora, que mais tarde viria a conhecer (em conjunto com o marido) chorava e o público estava completamente arrebatado pelo encantamento que estávamos a sentir na pele.
E porque há muita história e muito obra para contar, os Slowdive foram impiedosos e asseguraram um concerto que atravessou na generalidade a sua carreira. Temas como “Crazy For You”, “Machine Gun”, “Blue Skied and clear” do álbum “Pygmalio (1995) foram servidos com mestria e a resposta do público foi uma profunda contemplação.
Sucederam-se “Souvlaki”, “When the sun hits”, o majestoso “Alyson” que o público devorou com uma gula capital, “Mourningrise” e para fechar, a cereja no topo do bolo, “She calls” e “Golden Hair”.
Por muitos adjectivos que sejam utilizados para caracterizar a actuação da banda na sua passagem pelo Palco Super Bock do NOS Primavera Sound, nunca serão suficientes para descrever a magnitude e a magia vivida.
De uma honestidade sonora, confesso, fui transportado para uma atmosférica melancolia que tenho ainda dificuldade em descrever, mas sem receios de admitir ser um dos melhores concertos que assisti até hoje.
A escola do Rock dos anos 80/90
Equilibradas as emoções do concerto dos Slowdive, era tempo para os norte-americanos Pixies.
A mítica banda de rock da segunda metade da década de 80 e início da 90 do século passado, liderada por Black Francis, foram os cabeça de cartaz do segundo dia do Primavera Sound e eram aguardados por mais de 20 mil fãs no Palco NOS.
Devo antes de mais declarar que as minhas preferências não tendem muito para efusivas manifestações de amor pelos Pixies. Calma, não é nenhum crime! meramente admito que gostos não se discutem e não serei eu a martirizar-me porque não tenho na minha set list a banda como eleição. Não sendo contudo um ouvinte que ignora um marco do rock alternativo, posicionei-me num sítio confortável para apreciar a actuação.
Temas marcantes da carreira como “Here Comes Your Man”, “My Velouria”, “Debaser”, “Monkey Gone to Heaven” “Gouge Away” foram revisitados pela banda que deliciou os fãs mais acérrimos e satisfez os críticos.
Por esta altura haviam actuado no Palco ATP os canadianos Godspeed You! Black Emperor (carinhosamente apelidados pelos fãs como GY!BE), que infelizmente não tive oportunidade de assistir por actuarem à mesma hora dos Pixies.
Tempo para sonoridades electrónicas
Já a noite ia longa e muitos dos festivaleiros estavam animados e reunidos no Palco Super Bock para receber o rei da música electrónica no Primavera Sound, o dinamarquês Trentemøller, que foi ovacionado pelo público que já aguardava debaixo de um frio que já se fazia sentir.
Criador de um som que aglutina o indie e a electrónica, Trentemøller tem sido aplaudido pela crítica ao criar um som que desafia as leis da estática e desenha sons híbridos e ecléticos que viajam entre indie e post-punk, num experimentalismo progressivo de louvar.
Para os que quiseram dançar e vibrar com Trentemøller, temas como “River of Life (feat. Ghost Society) entre outros, foram basilares nesta ultima actuação da noite no Palco Super Bock.
A encerrar o segundo dia de festival no Palco NOS, os Mogway fizeram as honras da casa com uma revista aos temas do início de carreira e mais recentes, com destaque para “Remurdered”, “Master Card”, “I´m Jim Morrison, I´m Dead”, entre outros.
Fonte: Luís Manuel Pontes
Fotos: Hugo Lima – NOS Primavera Sound
Agradecimentos: PIC-NIC Produções / NOS (Luís Gomes e Barbara Carvalhosa)