Auditório dos Oceanos do Casino de Lisboa
| Apesar de ouvirmos todos os dias tantas tretas… é, sem dúvida, impossível passar sem “A Verdadeira Treta”…
Sim, estou-me a referir ao espectáculo da “Treta” que conta já com 11 anos de existência e que apesar de não estar sempre no ar o tempo todo, sempre que volta é impossível resistir a José Pedro Gomes e António Feio que dão vida aos maravilhosos personagens, Zézé e Toni.
Numa aventura que começou em 1997, António Feio e José Pedro Gomes conversam sobre tudo e sobre nada, recriando o típico hábito do português comum de ter opinião formada sobre qualquer assunto que se lhe apresenta.
Depois de “A Conversa da Treta”, “A Treta Continua”, o Livro, o DVD, o Programa de Televisão, o Programa de Rádio e o Filme (segundo o que foi dito, um dos 3 filmes nacionais mais vistos de sempre), a Treta regressa ao palco para apresentar os pontos de vista destes dois ilustres personagens tipo da espécie “Chico esperto português” sobre por exemplo, as operações plásticas, o preço do petróleo, a saúde, a educação, a segurança, “O Segredo”… e mais não revelo porque vale mesmo a pena pagar para ver.
O Jornal Dínamo® teve oportunidade de falar com um dos criadores dos hilariantes textos da “Treta”, Eduardo Madeira, que nos contou um pouco acerca desta já longa aventura. “Para começar devo dizer que não tenho feito mais nada desde há 10 anos, a não ser escrever ou para mim ou para outros humoristas. Escrever para o António e para o Zé Pedro ainda é uma responsabilidade acrescida. Sinto sem dúvida mais responsabilidade a escrever para eles do que para mim.”
Quanto à imaginação para criar tanto texto, Eduardo Madeira explicou como tudo funciona. “A imaginação tem que vir. Há dias melhores e dias piores: nuns saem coisas com bastante piada, e noutros em que saem coisas menos inspiradas (risos), mas acima de tudo tem que se ir sempre tentando. Posso dizer que escrever em dupla acaba por ser mais fácil, porque são duas cabeças a pensar”.
Em relação ao espectáculo, o escritor explica que nada acontece sempre da mesma maneira. “O que posso dizer é que o espectáculo vai ter tendência (e isto a pensar na experiência anterior) a moldar-se ao público. Há partes que vão ficando mais curtas e outras que vão ficando maiores de acordo com as reacções do público, mas acho que o resultado final saiu muito bom, acho que é uma bela treta (risos). Em relação às outras peças da “treta”, elas começaram por ter uma hora e meia e acabaram com quase três horas, porque há coisas que escrevemos que entretanto quase que desapareceram, e há coisas que nós escrevemos só de passagem e que de repente cresceram, e isto tem sido um work in progress. Ainda a semana passada andámos a escrever coisas depois de já termos entregue o texto final, o que quer dizer que o texto acaba por nunca estar totalmente fechado. Eles próprios, vão adaptando o texto de acordo com o sítio onde está a ser representado, segundo o que se vai passando de importante no mundo, e depois metem umas “buchas”, e que ainda por cima ficam boas (risos)”.
Em relação a como é que um espectáculo pode resistir tanto tempo, Eduardo Madeira explica essa resistência, pela existência de interregnos entre os espectáculos. “Eu acho que as pessoas mesmo depois de 11 anos de “treta” ainda continuam a gostar, porque a “treta” aparece e desaparece. Já me fizeram essa pergunta algumas vezes, mas como houve ali um ano e meio ou dois anos de interregno o público acaba por gostar de voltar a ver as personagens que gostou de ver nas primeiras vezes. Depois há uma coisa muito engraçada: é que as pessoas não precisam de ir muito longe para ouvir este tipo de conversas, aqui o único segredo é que elas estão todas juntas. Nos cafés, na rua, em todo o lado, nós ouvimos deste tipo de conversas e até nós às vezes damos por nós a ter conversas da treta, e a dizer disparates e a tomar consciência de que os dissemos (risos).”
Quanto a um novo filme, Eduardo Madeira, diz que “vai existir, mas para já é mesmo ver o que vai acontecer e como isso se irá desenvolver”.
Antes de irmos embora seria de todo impossível, não falar com os dois protagonistas da “Verdadeira Treta”, José Pedro Gomes e António Feio. Devo advertir que foi das entrevistas mais divertidas que o Jornal Dínamo® já fez a duas pessoas em conjunto e que claro devido à sua boa disposição, só poderia sair uma entrevista muito sui generis…
Quisemos então saber a opinião dos artistas em relação à Treta. José Pedro Gomes começou afirmando que ela está sem dúvida sempre muito presente. “Uma grande parte daquilo que nós ouvimos é uma grande treta. “O Segredo” é treta, pelo menos com esta novidade, esta maneira de apresentar as coisas, porque nós já sabemos que se alguém quer alguma coisa, tem de se empenhar para a conseguir. Não é dizer, quero uma casa nova, quero não sei quantos milhões, bem… isso é treta. Temos de nos esforçar se queremos ter essas coisas”. Em relação às tretas, elas foram sempre aquelas que nós achávamos na altura que eram importantes. O que eu acho é que os Zézés de os Tonis desta treta são mais informados, mais eruditos… erudidos… erurditos (risos), qualquer coisa assim, eruditos é uma palavra muito forte para estas personagens (risos), mas na realidade a treta é a mesma. Lembro-me por exemplo que na primeira falávamos muito das mulheres, principalmente da mulher do Toni. Falávamos muito dela, da minha nunca se falou… não é António?”. António Feio junta-se à conversa e claro, tal como no palco riposta em grande estilo. “Claro… a tua mulher não tem interesse nenhum (risos), pelo menos do meu ponto de vista. Muito mais gira é a minha que pesa 240 quilos”. “É uma mulher de peso” acrescenta José Pedro (risos).
E não ficou por aqui. António Feio explica que “nas primeiras falava-se de temas mais actuais. Falava-se mais de sexo, e mais de um certo e determinado número de coisas que eram mais gerais”. José Pedro interrompe e acrescenta “Já se falava de drogas. As tuas filhas eram drogadas… não era?” (risos). “Sim… Sim…” acrescenta António Feio (risos).
Falando das primeiras tretas, tanto António Feio como José Pedro Gomes concordam que não sabiam bem o que ia acontecer. “Na primeira treta, nós não sabíamos o que íamos encontrar, e queríamos acima de tudo ir ao encontro do grande público de fora de Lisboa. A treta toda começou com nós a querermos fazer uma tournée, para tentar perceber o que é que se passava no país, porque nós trabalhávamos em Lisboa, no meu caso (José Pedro) sempre com o dinheiros dos subsídios do governo central, ou seja dos portugueses todos e daí querermos saber como era noutras cidades. E ficámos a saber. Felizmente desse ponto de vista o país mudou radicalmente para melhor”.
António Feio acrescenta ainda que foi importante porque conheceu alguns auditórios de que nunca tinha ouvido falar. “Quando andámos com os sketchs dos Monty Python que tinham muitas exigências técnicas, descobrimos casas extraordinárias. Posso mencionar a das Caldas da Rainha, um espaço extraordinário. Descobri outros que foram recuperados e alguns que nem conhecíamos, também porque já algum tempo que não andava pelo país todo. Os últimos espectáculos que fizemos, foi mais no Porto”.
Quanto a este novo espectáculo, António Feio explica que a capacidade de improvisação é extremamente importante. “Desde o início deste espectáculo, uma das premissas, era um espectáculo simples para poder levar a qualquer parte do país, a outra era que o espectáculo nos permitisse explorar a nossa capacidade de improvisação e nós levámos isso à letra. O espectáculo hoje deve ter tido uma hora e meia, amanhã pode ter uma hora e quarenta, até nós acabarmos por fazer uma espécie de limpeza geral e deixarmos ficar duas ou três brincadeiras. Posso dizer que todos os dias, dizemos as coisas de maneiras diferentes, o que nos permite brincar com elas logo imediatamente, porque assim que o Zé Pedro me diz uma coisa, vem de uma maneira diferente, e depois gera uma resposta diferente e isso é também o segredo do nosso relacionamento pessoal enquanto “cromos” (risos), e depois a seguir não nos entendemos, porque estamos sempre a falar de coisas diferentes. O grande segredo da treta é fazer com que as pessoas que estão a assistir ao espectáculo se identifiquem, numa situação ou noutra com alguma, que já passaram um pouco por ricochete (risos) … “não, isto não foi comigo foi com o outro…” (risos), que acaba por ser a mesma coisa que nós estamos a dizer em cima do palco. É importante que as pessoas aprendam a rir-se também delas próprias, porque é saudável e pode aliviar a carga e a tensão em certas situações”.
À semelhança do que aconteceu com os sketchs dos Monty Python, e com a Associação “Acreditar”, também “A Verdadeira Treta”, vai apoiar uma Associação. A escolha recaiu sobre a “Raríssimas – Associação Nacional de Doenças Mentais e Raras”, outra das muitas associações que vive com dificuldades.
António Feio explica como este acto, acaba por ser um, dois em um. “A verdadeira essência do envolvimento desta questão, passa pela ideia que tenho como encenador. Sempre fiz questão de fazer espectáculos antes de estrear, porque é uma coisa que ajuda a aliviar a tensão. As estreias geralmente são espectáculos sempre muito mais tensos. Há a preocupação de não falhar e isso faz com que se não saboreie o que se está a fazer. É quase violento para um actor. Eu como sempre quis fazer ensaios com espectadores, geralmente o que fazia eram ensaios com pessoas amigas e isso acabou por se tornar uma instituição. Só que entretanto em vez de aparecerem 20 pessoas, já havia umas centenas que apareciam e percebi que se calhar esta não era a melhor maneira de fazer as coisas. Há uns anos para cá começamos a juntar o útil ao agradável. Acabámos um pouco com aquela ideia de as pessoas virem ao teatro de borla e arranjámos um preço simbólico para esses ensaios (fizemos isso com o espectáculos dos Monty Python e com a associação “Acreditar”), e assim contribuímos para ajudar associações que precisam de muita ajuda. Este ano com “A Verdadeira Treta” resolvemos ajudar a associação “Raríssimas”. Por isso isto tem uma dupla vantagem: testamos o espectáculo e ajudamos quem mais precisa. Por seu lado as pessoas acabam por ficar felizes porque vêm um espectáculo e contribuem para uma associação que como tantas outras se debatem com dificuldades em sobreviver.”
Por estas e por todas as razões que se lembrar, venha conhecer “A Verdadeira Treta” que tal como as outras é uma “Treta”, sendo que esta é a verdadeira e por isso uma mais valia para saber toda a treta que por aí anda.
Ainda tem dúvidas? Não tenha, vá e divirta-se num dos espectáculos mais hilariantes dos nossos tempos.
Fotos: Pedro Filipe