Entrevista
| João Cabrita tem uma longa carreira de 34 anos com uma longa discografia. Para além de músico, João Cabrita é também Produtor, Director Musical e realiza trabalhos na área do Teatro, Publicidade, Televisão e Cinema sem esquecer a parte de ser Desenhador.
Foi numa conversa ao ar livre com um toque de sol e que passou um pouco por todas estas áreas, que o Jornal Dínamo se encontrou com o Artista, num momento agradável e descontraído.
Jornal Dínamo – Já em pequeno sentias vontade de fazer o que fazes hoje? Tinhas músicos na família? Fala-me um bocadinho de como começou esta aventura?
João Cabrita – Curiosamente não. Venho de uma família de Cientistas e nem sequer tinha uma rádio FM em casa, quando era miúdo. Havia um gira-discos dos meus pais. O meu Pai tinha mais 52 anos do que eu e nesse sentido era uma geração mesmo muito diferente da minha. Tinha alguns Cantautores, alguma MPV e música clássica, principalmente obras de compositores russos como Stravinsky, ou seja obras do final do século IX e início do século XX. Esse era o universo que existia lá em casa. Ou seja, se ligasse a rádio o mais que poderia apanhar era “Os Parodiantes de Lisboa” (risos) e algumas músicas dos anos 70. Entretanto, no aborrecimento que a malta nova tinha nos anos 80, e no meu caso que vivi 5 anos em São Tomé e Príncipe e depois voltei para Portugal, houve um período de adaptação e havia muito tempo livre. Não havia muita televisão e claro, não havia internet. Foi nessa altura que comecei a desenhar e a fazer banda desenhada.
Entretanto, a minha Mãe começou a ter aulas de piano com uma senhora que vivia na Encarnação e no seguimento, o meu irmão e a minha irmã também foram para lá e começaram todos a ter aulas de música. Eu ficava em casa entregue ao desenho que era algo do qual gostava muito.
Depois, a minha Mãe quis ter aulas de teoria musical e descobriu que havia uma filarmónica nos Olivais e foi espreitar, tendo descoberto que na sua maioria eram miúdos que tinham essas aulas. Então com a vergonha (risos), obrigou-nos aos três a ir também. De todos, eu fui o que foi mais contrariado, pois o que eu queria era estar em casa a desenhar. O mais estranho nisto tudo é que ao fim de uns meses eles começaram todos a desistir e eu fui o único que lá fiquei. Esta foi também a altura em que eu comecei a comprar revistas como a “Bravo” onde apareciam os A-HA, os Duran Duran e essas bandas todas e eu não ouvia essas músicas em lado nenhum. Foi nessa altura que comecei a procurar, num rádio que tínhamos mais antigo que apanhava onda curta e descobri a “Radio Luxembourg” onde comecei a ouvir os êxitos dos anos 80 e comecei a ficar “louco” com tudo aquilo. Depois começou a “Music Box” na RTP também com música da altura e andava fascinado com a cena da música POP, mas enquanto consumidor e ouvinte.
Quando cheguei às aulas de teoria musical é que comecei a perceber porque é que havia umas músicas que eu gostava mais do que outras. Porque a teoria estava-me a dar as respostas, para coisas que eu achava que era só de gosto.
Este foi o momento em que fez-se um grande “click” e comecei a querer saber mais. Entretanto deram-me um clarinete. A partir de uma certa lição de solfejo e com 17 anos fiquei assim a olhar para o instrumento, pois não era propriamente aquele instrumento que dava para engatar miúdas (risos) e muito pouco espectacular na altura. Fiz um concerto com a filarmónica em Maio e depois levei o clarinete comigo para as férias. Um bocado contrariado, comecei a tocar um pouco mais e comecei a perceber que podia fazer coisas diferentes com aquilo e fiquei um pouco mais entusiasmado lá para o final do Verão.
No meio de tudo isto, há um amigo meu que engravidou a namorada e teve de fugir com ela (risos), uma história bem rocambolesca. E ele era saxofonista na banda e então criou-se uma vaga (isto porque a família da namorada queria apanhá-lo para ele prestar contas). Eles desapareceram os dois, mas depois voltaram e todos fizeram as pazes, mas nessa altura ofereceram-me a vaga de saxofonista e eu aceitei e comecei seriamente a entusiasmar-me mais.
Nesta altura os “Sitiados” tinham feito o primeiro disco e os sopros eram pessoal da Banda dos Olivais. O Saxofonista dos “Sitiados” também saiu e chamaram-me para pertencer à banda e comecei a ser um deles. E é aqui que a minha carreira começa propriamente dita. Acabei por deixar de desenhar.
O meu instrumento principal é o saxofone, mas toco teclados, guitarra, toco baixo, mas isso aconteceu porque tinha vontade de compor e começar a fazer outras coisas. Tocar um só instrumento acaba por nos limitar.
Fui para a Escola de Jazz do “Hot Clube” e comecei a aprender mais sobre teoria e harmonia e, portanto, era difícil estar a gritar os acordes aos meus colegas (risos), que sabiam tocar, mas não sabiam sacar as harmonias das músicas. Foi aí que a viola entrou para poder passar as ideias às outras pessoas.
Todos os discos das minhas bandas são feitos nesse formato. Com os “Cais Sodré Funk Connection”, eu gravo uma maquete com os instrumentos todos, faço uma sugestão de arranjo e depois passo ao pessoal, para lhes “vender” a música e se eles aprovarem, aí é que vamos trabalhar sobre a música.
J.D. – Começaste por fazer trabalhos sempre em conjunto ou sozinho?
J.C. – O meu trabalho foi sempre feito em conjunto. O processo acabou por ser uma série de acasos que se foram somando e felizmente penso que tive sempre a presença de espírito para aproveitar as oportunidades e tirar o melhor partido delas.
Quando cheguei aos “Sitiados” comecei a fazer arranjos, a escrever a parte dos sopros (e fartei-me de enganar porque me faltavam alguns conhecimentos), ao princípio fiz coisas horríveis (risos). Mesmo na Filarmónica por vezes, pediam-nos para ir tocar ao Castelo de São Jorge para uns turistas. Tinhamos que escrever um arranjo de uma marchinha, e basicamente eu conhecia o que ouvia e então, fui amolando a coisa no papel e depois foi um pouco por tentativa/erro e nesse sentido os meus amigos foram super pacientes comigo. Por vezes, pegavam naquilo e soava muito mal (risos) e então ia para um canto, voltava a escrever e dava-lhes outra vez para ver se estava melhor ou bom. Até as coisas se alinharem ao início, não foi fácil. Mas depois fui aprendendo as “manhas”, e as lógicas de cada formato. Mas sim, sempre fiz um trabalho muito colectivo, porque também durante muito tempo, toquei sempre em naipes de sopros, com o Jorge Ribeiro e com o João Marques.
Fizemos os “Sitiados”, depois os “Despe & Siga”, depois trabalhámos com o Sérgio Godinho, Susana Félix, depois “Dead Combo” e acabou por ser um processo muito comprido de muitas bandas, e sempre a trabalharmos juntos, nós os três. Desde o princípio também escrevia os arranjos para as bandas e para os artistas que sempre me deram carta-branca para o fazer. Diziam-me que instrumentos queriam, deixavam-me criar e depois apresentar o trabalho com base nas ideias deles.
É por isso que muitas vezes me perguntam “então porque é que só agora após 30 anos é que sai um trabalho de Cabrita a solo?”… é que a minha veia criativa estava a ser alimentada para este tipo de trabalhos que fazia. Compor na verdade já o fazia há uns bons 20 anos.
A parte da execução não tem muita novidade, basicamente é ler e reproduzir. Claro que é entusiasmante fazer coisas mais difíceis, mas ao fim de algum tempo acaba por se tornar monótono. É muito mais interessante conseguir escrever as coisas de um modo a conseguir um som com um colectivo que seja diferente, ou tentar arranjar soluções que não sejam muito convencionais. Chegar a timbres diferentes.
Durante muitos anos com a ditadura dos técnicos de estúdio, eu não conseguia fazer uma série de coisas que agora faço, porque agora tenho o meu estúdio e posso quebrar as regras que quiser.
Não havia também muito espaço para a improvisação. Aliás, eu era super gozado pela malta do Jazz, porque tocava numa banda de 3 acordes (risos), ao contrário, a malta dos “Sitiados” gozavam comigo porque andava naquela “onda” super alternativa do Jazz (risos). Ou seja, eram Universo que não se cruzavam de todo e havia muito pouco espaço para a improvisação.
Comecei, no entanto, a ter mais quando mudei para os “Despe & Siga”, porque aí já eram músicos com mais conhecimentos e com outras capacidades, ou seja, pessoas que tocavam já mesmo muito bem, ao contrário dos “Sitiados” que eram pessoas que trabalhavam mesmo muito e tínhamos tudo muito bem rotinado e erámos uma unidade muito forte ao vivo.
Até a própria música portuguesa teve também de evoluir um bocadinho nesse sentido o que é bom e muito positivo.
J.D – São já muitas as parcerias que fizeste com outros nomes da cena musical portuguesa e não só. Há algum ou alguns que te marcaram de alguma forma?
J.C. – Há coisas que por serem mais continuadas, deu para experimentar e também arriscar mais. Desde os “Despe & Siga”, o Sérgio Godinho, fiz sem dúvida arranjos que saíram muito bonitos e de que ainda hoje me orgulho muito. Não posso deixar de falar dos “Dead Combo”, tanto com a “Orquestra das Caveiras”, como depois no “Odeon Hotel” e neste gravei tudo sozinho. A grande questão é que fiz coisas que me surpreenderam muito e isso é espectacular (não é todos os dias) e com o Paulo Furtado, o “Legendary Tiger Man”, desde a gravação do disco nos Estados Unidos “Misfit”, até ao que saiu agora o “Zeitgeist”, onde fizemos coisas muito diferentes em relação ao convencional. Eu ando constantemente à procura de sair “fora da caixa”.
Outra coisa que é importante e interessante é que temos muito boa química ao vivo e uma ligação muito própria e muito simbiótica de diálogo musical. Essa parte quando se trabalha com alguém é muito importante.
Se não tiveres uma ligação especial com as pessoas com quem estás a tocar, fica uma coisa muito mecânica e isso faz com que os concertos saiam iguais e ao fim de uns 10, por exemplo, deixa de ser interessante. Quando há um entusiasmo extra dos músicos isso passa para o público e o contrário também é verdade.
Com os “Cais Sodré Funk Connection”, a estrutura é muito grande, somos 9, mas a cena do “Groove” contamina-nos a todos e quando, por exemplo, marcamos ensaios às 10H30 da manhã em que ainda está tudo meio assim abananado com o sono, quando chegamos à sala de ensaios, começamos a acordar e a ficar muito entusiasmados e tudo isto em palco, passa para as pessoas, mesmo muitas vezes sem conhecerem as músicas, o pessoal começa logo a dançar.
Nos concertos só de “Cabrita”, o entusiasmo com que fazemos as coisas, contamina o público e muitas vezes temos a sorte de apanhar públicos que não nos conhecem.
Por exemplo, no Festival “Bons Sons”, apanhámos uma plateia gigantesca de pessoas que estavam lá no festival e que não conhecia o projecto e no fim do concerto as pessoas estavam todas loucas com o nosso som e a questionarem-se como é que ainda não nos tinham ouvido.
Já em Almada, em 2023, aconteceu um pouco a mesma coisa. Na “Casa da Cerca”, com muitas pessoas a assistir, mas que eram habituais dos concertos que lá passavam frequentemente, no fim do concerto quiseram falar comigo porque o som os entusiasmou muito e a fazer perguntas sobre o projecto.
Se estiveres galvanizado, vais galvanizar as pessoas e eu penso que isso é muito directo. Não deixa de ser primário, mas também não é à toa que a música é considerada uma das primeiras artes, porque funciona a esse nível. Se não existir por vezes texto, então ainda vai mais directo à parte emocional.
J.D. – Em 2020 surge o 1º álbum “Cabrita”, o teu álbum de estreia, com colaborações para celebrar os 30 anos da tua carreira. Qual foi a sensação da celebração e quem escolheste para fazer parte dela?
J.C. – Isso acabou por ser mais uma sucessão de acasos. Penso que aconteceu.
Em Dezembro de 2018, apercebi-me que ia ficar aí um período de 3 ou 4 meses sem concertos, porque estava a misturar os discos dos “Cais Sodré Funk Connection” e estava também, com o disco do Furtado para sair na Primavera do ano seguinte, o “Misfit”. Então, sabia que não ia ter concertos porque não havia músicas novas. Então preparei-me para o pior, porque financeiramente os concertos são aquilo que mais nos dá a subsistência e a minha mulher sugeriu-me, porque não começar a trabalhar num disco a solo. Primeiro, pensei que a ideia era um bocado ambiciosa de mais e, portanto, não sei se vou avançar nesse sentido. Mas de qualquer modo pensei em fazer um exercício académico de composição. Resolvi então inventar um formato, um quarteto de saxofones e uma secção rítmica e comecei a compor sem objectivo definido, só por desporto e para manter aceso o músculo criativo e acima de tudo para não parar.
O primeiro tema que fiz foi o “Farai”, que é um Reggae, depois fiz um Afro Beat que ficou de fora, depois fui andando um pouco mais e compus o “Whatever Blues”. Entretanto continuei, mas estava com a sensação que tudo me estava a soar ao mesmo. Lembrei-me então de ligar ao Tó Trips, e perguntei-lhe se ele tinha alguma ideia na “gaveta” (isso acontece muito, guardarem-se projectos que ficam parados) e ele disse-me que tinha realmente uma coisa e que me ia mandar para ver o que eu achava. Na manhã seguinte enviou-me o material pelas dez e pouco da manhã e eu pelo meio-dia enviei-lhe o tema todo feito, que é o “Dancing With Bullets”. Ele ficou admirado pela rapidez e achou que o que eu fiz ficou espectacular.
Na verdade, comecei a trabalhar em tudo aquilo e não conseguia parar e veio também despoletar mais uns quantos temas. Comecei a compor mais. Voltei a falar com o Samuel, o Sam The Kid, que é meu vizinho e que tem uma colecção de bits que estão guardados na “gaveta” das ideias e eu estive quase três horas a “varrer” o material fantástico que ele tem. Escolhi dois. O primeiro que me pareceu interessante, comecei a trabalhar nele, mas o resultado não foi o que esperei, parecia tipo uma coisa do “Game of Thrones” (risos) e para mim não estava a ser uma coisa muito interessante e o outro foi o “We Andrea”. Entretanto, também falei com o Ivo Costa e pensei que era muito fixe meter bateria nesta música. Ele como tem estúdio, tinha também uns bits de bateria disponíveis que gravou para o Agir, mas que ele não usou e enviou-me e acabei por fazer o “Snake Eyes”.
Nesta altura e já com tantos temas e a pensar que já me estava a comprometer com tantas pessoas, percebi que já tinha material para fazer algo interessante com o material criado. Comecei também a convidar outros amigos para tocar noutros temas. O Élio para gravar uma bateria para um dos temas, o Sérgio Nascimento gravou o “Caravan”, que na altura estava em estúdio a gravar o tema para o “Festival da Canção”.
No meio de todo este processo, o Nuno Calado da Antena 3, estava a fazer o Festival “Indigente” e eu falei com ele e disse-lhe que achava muito interessante colocar Artistas a tocar 3 ou 4 temas e cruzarem-se uns com os outros e que quando houvesse outra edição gostaria que me convidasse para fazer parte deste evento. Nesse mesmo ano ligou-me (2019), e perguntou-me se queria ir. Disse-lhe que tinha uns temas em que estava a trabalhar e que gostava que ele ouvisse e de repente percebi que não tinha banda para tocar no festival (risos) e pensei, como é que iria tocar as músicas ao vivo. Então pensei na banda que tocou na Tour deste primeiro disco, que foi o André Passos, o João Capinha, o Gonçalo Prazeres nos Saxofones, o João Rato na Guitarra e Teclas e o Filipe Rocha na Bateria.
Fizemos então esse showcase e presente estava o Hugo Ferreira da “Omnichord” que adorou os temas e quis falar comigo acerca do meu trabalho e quis editar o meu projecto. Foi nesta altura que apareceu o “Disco” literalmente falando e eu achei que era ouro sobre azul. Acabei a produção em 2019 (ano em que fazia os 30 anos de carreira) e saiu em 2020. Ou seja tudo a bater certo e aproveitei então para celebrar o meu aniversário. Na verdade quando estamos entretidos a fazer o que gostamos nem damos conta do tempo a passar, mas passou e foi engraçado tudo ter batido tão certinho.
J.D. – Em 2022, ainda na pós-pandemia, lançaste “Cachorro Sem Dono” em parceria com o Stereossauro. Foi um trabalho mais difícil de lançar? E de onde surge o nome para este trabalho?
J.C. – Até foi mais fácil, acredita. O Stereossauro era uma das pessoas com quem queria colaborar. Gostava muito do trabalho dele “O Bairro da Ponte”, mas tive um bocado de vergonha em propor, porque não o conhecia pessoalmente e ele não me conhecia de lado nenhum, então deixei-me estar sossegadinho (risos), porque quase de certeza que ele não ia querer fazer nada comigo. Mas estando num momento de pandemia, comecei a pensar melhor, porque queria trabalhar em coisas novas, enchi-me de coragem, liguei-lhe e disse-lhe que sabia que ele tinha trabalhado com o Silk dos “Cais Sodré Funk Connection”. Disse-lhe que gostava muito do trabalho dele, mas acreditava que não me conhecesse, ao que ele me diz “claro que te conheço, o João Cabrita” e ainda me disse que gostava muito do meu disco.
Perguntei-lhe se era possível me enviar alguns instrumentais que não tivesse usado, para eu trabalhar por cima, e dar continuidade ao método de trabalho do primeiro disco, ao que ele me disse que sim e que me ia enviar uns quantos.
Tal como o Sam The Kid, ele tinha uma catrefada de bits, então peguei em dois e fiz dois temas de forma rápida. Enviei-lhe de volta e ele gostou muito, e surgiu o “To And Fro” e “A Memória”. No meio de tudo isto ele continuou a enviar-me mais beats para ver se eu curtia e comecei a trabalhar sobre eles. Apesar de estar a tocar com regularidade, não estava assim com tantos concertos por causa da pandemia e às tantas já tínhamos quase um EP. Então falámos em fazer algo com todo o material e chamar-lhe um projecto paralelo qualquer e fazer um disco. Disse-lhe que ia falar com as pessoas da “Omnichord” e se eles tiverem interesse avançamos.
Acabou por ser um trabalho muito fácil, apesar de nunca termos estado um ao lado do outro na criação, porque fazíamos partilha de ficheiros (digamos que isto veio facilitar muito certos trabalhos). Foi um processo super tranquilo, e acabou por ser algo que comecei a fazer desde cedo porque os orçamentos de estúdio começaram a baixar muito. Então para eu gravar sopros, começou a haver cada vez menos budget. Foi nessa altura que rapidamente montei o meu próprio estúdio em casa, para poder gravar e poupar a despesa de por exemplo refeições fora, deslocações, entre outras coisas. Foi bom porque me permitiu fazer colaborações com pessoas fora de Lisboa e também fora do país.
Por isso quando chegou a pandemia, eu já estava preparado para trabalhar mais à distância o que foi uma mais-valia. A parte mais chata é o facto de não estarmos juntos na criação, porque se ganha muito mais quando se está junto, mas não havendo orçamento também não fica inviabilizada a colaboração.
Com o pessoal do Hip-Hop que são produções mais caseiras e mais independentes, é muito útil, porque eu gravo variadas pistas, envio e eles depois usam-nas como desejam e da forma como querem. Já fiquei muito surpreendido com certos resultados e de forma muito positiva.
J.D. – És Músico e Produtor e geres a tua Cena Musical. Como é juntar muitos papéis numa pessoa só e com vários projectos ao mesmo tempo?
J.C. – A maior parte do tempo eu faço o management dos meus projectos. Acima de tudo tem que se ser muito organizado, para não deixar cair as coisas ou deixá-las arrastar e tem que se ser bastante focado.
Tu piscas os olhos e já está.
Estava precisamente a pensar isso no outro dia. Eu agora estou a trabalhar no disco dos “Cais Sodré Funk Connection” e pedi a um colega meu para falar com a pessoa das misturas para tratar da parte financeira e ele esqueceu-se de me avisar que já o tinha feito. Entretanto nisto passaram 3 semanas, para eu lhe enviar o material novo para ele misturar, porque pensei que ele ainda não tinha tratado do assunto. Três semanas, foi o tempo de uma piscadela de olhos.
Como estava ocupado com outras coisas, com a Tour do “Cabrita” e com uma colaboração nova que o projecto vai ter mais para a frente, o tempo passou e foi rápido demais. Nesse sentido não podes perder o pé nas coisas que fazes.
Não vamos esquecer eu também tenho uma parte familiar para tratar e mais a logística toda da casa que não é menos importante. Diria que é de extrema importância.
Se não se for muito focado, é muito fácil deixar as coisas resvalarem e deixar coisas por fazer. É importante trabalhar com bastante antecedência para se ter uma margem de décalage.
Para mim, é até bastante fácil fazê-lo porque eu trabalho com períodos de foco no projecto.
Agora o “Cabrita” está a começar a acalmar, porque está a entrar na fase de vender espectáculos e estou a entrar no foco dos “Cais Sodré Funk Connection”. Já temos dois terços do disco feito, falta gravar o último terço. Vai só sair na última parte do ano, talvez em Setembro ou Outubro, e nesse sentido tenho tempo para gravar, focar-me nisso e tratar da pré-produção.
J.D. – Como é para ti ser Músico em Portugal ou seria melhor noutros sítios?
J.C. – É bom ser músico no mundo todo (risos). Acho que gostava e não está fora de questão, aumentar as idas lá para fora. No entanto, tudo isto tem de ser feito com pés e cabeça, para ter alguma consequência de jeito. Só ir lá para fora por ir, não faz sentido, é cansativo e só dá despesa.
Mas, ser músico em Portugal eu acho espectacular. Eu gosto muito.
Não é fácil, não é algo que nos deixe ricos, nem nada do que se pareça, mas é muito desafiante e cansativo, principalmente no sentido que o faço, que é afastar-me do mainstream. Eu não me identifico tanto com o que se faz em termos de comercial neste momento, com fórmulas.
Quando se fala de inteligência artificial, por exemplo, eu até acho que quem está mais exposto é a música mais comercial. São fórmulas que em vez de serem feitas por pessoas, são máquinas que trabalham com fórmulas.
Como nós não funcionamos por fórmulas, vai ser mais difícil ser substituído por esta AI.
No entanto, sabemos que há sempre soluções e se calhar mais para a frente a AI poderá ser algo útil, olhando para a parte positiva dela, porque tudo tem uma parte positiva. Pode sem dúvida vir a ser uma boa ferramenta de trabalho. Assim como os computadores são uma excelente ferramenta de trabalho nos estúdios. O meu estúdio é um computador, uma sala, microfones e outras ferramentas, mas é algo até simples. O coração na verdade é o computador.
Existe sempre o lado mais capitalista das coisas, desde as plataformas de streaming contratarem compositores para trabalhar com IA’s para gerarem conteúdos para não terem de pagar aos artistas. As playlists com artistas falsos, que são contratadas para quem as contrata receberem elas e não os compositores. O mal aqui nem está na AI, está na ganância de quem o faz.
A vantagem antigamente é que, como se vendiam muitos discos, havia muito mais dinheiro nas editoras para investirem em coisas mais estranhas e arriscarem em projectos mais paralelos, porque o mainstream pagava o restante. Agora tudo mudou.
Em contrapartida, nós também temos muito mais acesso ao público através das mesmas plataformas de streaming que não nos pagam nada de jeito, mas acabamos por estar expostos mais facilmente a quem nos quiser ouvir.
Em termos de redes sociais, já não é bem assim. Eu noto que se tiver 5000 amigos, faço um post e tenho 20 likes, alguma coisa está errada aqui. Eu pergunto-me: “Como é que eu não chego às pessoas?”. Não é muito normal.
Se eu colocar uma foto de um cão ou de um gato por exemplo, já tenho mais likes. Penso que tudo isto é muito “aleatório” (apesar de haver um algoritmo que faz esta gestão) e que reconhece quando estou a colocar coisas de trabalho, e que faz com que eu tenha (se quiser) de pagar para chegar a mais pessoas. Ou seja há uma ética de trabalho que desapareceu. Quando tinhas algo pela qual não pagavas e passas a ter de pagar por ela se queres algo mais, isto era escandaloso no passado, mas nos tempos de hoje não é, já é aceitável. Mas em como tudo, há sempre um “catch”.
J.D. – Já passámos por muitas fases a nível de suportes musicais. Ver o Vinil e até o CD renascer é algo que te agrada? Achas que há uma camada mais jovem que o procura?
J.C. – Sim, sem dúvida acho muito engraçado e interessante. Não é algo natural.
Eu próprio deixei de ouvir discos em vinil porque não era prático, acaba um lado e tinha que se virar o disco. Depois a aparelhagem avariava e nunca mais se arranjava. Daí até ao CD, foi algo muito rápido e mais prático. Podia andar com vários dentro do carro e ouvir vários.
O Vinil foi algo do qual me “divorciei”, nos anos 90. Mas sem dúvida é engraçado como parte deste objecto cria uma parte emocional com as pessoas e passando também pelo tipo de som que o LP faz. É muito mais quente.
Isto sem dúvida deixa-me bastante contente e até muito feliz, porque quase todos os meus projectos ou aqueles em que estou envolvido têm edição em vinil. Fico contente por ter a colecção, porque é uma história que fica para contar e o fim último do vinil.
Aliás posso também dizer que os CD’s começaram a subir, por causa da Taylor Swift (risos). Ela fez edições em CD e de repente as vendas dispararam (não tanto como antigamente), mas dispararam.
Aliás, ela foi considerada uma das pessoas mais influentes no mundo e eu considero que ela é uma Artista com a cabeça muito no sítio, muito focada e com uma máquina em torno de si, muito poderosa. Para além disso vê-se que é boa pessoa, pegando na história de ter dado bónus à equipa que trabalha com ela (100 mil dólares para cada pessoa). Isto é algo que muda a vida de uma pessoa. E quanto a mim é super generoso, coisa que mostra bem a pessoa que ela é. A Taylor Swift, não é só a Taylor Swift. Ela é o que é, porque tem um conjunto de pessoas que a ajuda a chegar onde ela deseja. E ela reconhecer mérito às pessoas que andam na estrada com ela e fazem os concertos dela acontecer, para além dela, é muito bonito.
J.D. – Em 2023 lanças “Umbra”, teu 2º Álbum. Este nome tem a ver com uma reflexão de vida, da forma como ela passa e da sua efemeridade. Tem algo a ver com penumbra? Para além disso tens algumas participações especiais. Fala-me um pouco deste trabalho.
J.C. – O processo foi mais ou menos parecido com o do primeiro disco. Começou por ser solitário e não tinha nenhuma direcção para ir. Tinha acabado de fazer o disco com o Stereossauro. No dia em que fiz 49 anos, fiz o “49 Birthday Blues” e percebi que era sobre isto que queria “falar”. Falar sobre a idade, sobre o estar a chegar quase aos 50. Sempre me fez muita confusão, esta convivência com a morte. Esta sombra que eu vejo, como uma espécie de anel que vai que se vai aproximando. Primeiro começam a ir embora os actores que os meus pais viam, entretanto perdi o meu Pai nos anos 90 ainda, depois os meus cantores favoritos, o Prince, o Michael Jackson, o David Bowie e a partir daqui começam a ser pessoas que eu conheço, o Zé Pedro do “Xutos & Pontapés”, o Pedro Gonçalves dos “Dead Combo”, a Sara Tavares mais recentemente, o Elísio Donas dos “Ornatos Violeta”, já antes o João Aguardela dos “Sitiados”. Todas estas perdas já me dizem respeito mesmo. Já não é uma coisa abstracta de um artista que gostava e já não vai haver mais discos dele. Isto já é muito mais pessoal. Tudo isto mexeu muito comigo e este disco é um processar do que eu senti e sinto. Como é que se lida com esta situação e como é que vivemos após isto? Como é que eu vou tirar o melhor partido do resto da vida que ainda tenho e o estar grato por tudo isto?
Uma das formas como lidei com isto foi a negação e a zanga e há sonoridades bastante agressivas de recusa acerca deste tipo de assunto. Mas também tem sonoridades de aceitação, principalmente a partir do lado B. Existe uma espécie de caminho que se faz com o luto. Primeiro a negação, o recusar aceitar as coisas, as dores, o envelhecimento, o estou todo torto, das esquinas e dos bicos e depois a canção da despedida com o “pOLY (feat. Surma)” e depois uma espécie de epílogo que é cantado a meias com a minha filha, a Clara que é uma espécie de futuro e o que está para lá da morte ou da aceitação ou desta paz que se encontra (não sabemos mesmo) que é o “Away”.
Todo este trabalho tem este caminho. Foi um processo que me fez pensar muito sobre o assunto e me fez chegar ao lado de lá e fiquei com o assunto resolvido e com uma perspectiva mais positiva das coisas e é isto que eu espero que este trabalho passe para as pessoas. Que reflictam acerca deste assunto que é incontornável e que ajude a lidar com estas ausências.
O processo dos convidados para este trabalho, foi muito semelhante ao primeiro. Um pouco como começares a cozinhar e não saberes bem, o que tens, então começas a acrescentar e a experimentar ingredientes.
Quis ter um produtor diferente para me dar uma perspectiva um pouco diferente das coisas e me poder surpreender. Agarrou na música “To the Bone” e mudou-lhe o final todo e eu achei que ele tinha feito uma coisa bem engraçada, porque como estava era bem mais chato.
No segundo tema “Tour de Force”, que é o menos conceptual do disco, queria criar um impacto e a banda tocar ao vivo e mostrarmos que podíamos criar emoções.
O “Daredevil” era o tema que eu queria mandar fora. O Disco tem 10 músicas e eu fiz um ranking de 25 músicas e depois vou eliminando, subindo umas e fazendo saltar outras fora e esta música era daquelas que já estava muito abaixo do ranking. Só que o Produtor, o Rui Gaspar do “First Breath After Coma”, achou que a sonoridade era muito gira, tinha uma mistura de algo de mariachi, meio romena e também de Médio Oriente, e quis fazer uma espécie de banda sonora à James Bond, pôr umas cordas e de facto surpreendeu-me imenso, acabou por salvar o tema.
Esta música tinha um bocado a ver com desafiar o perigo. Quando chegamos a esta idade, há pessoas que começam a experimentar desportos radicais, e essa é uma forma também de lidar com o envelhecer. É o encontrar a adrenalina daquilo que se perde com a idade.
É também uma forma de juntar gerações diferentes. Eu adoro tocar com gente mais nova, porque estou sempre a aprender coisas com eles. Aprender música nova que é muito, muito fixe. É preciso estar muito activo a descobrir música nova, porque ela nem sempre está assim à mão. Ela está disponível, mas nem sempre visível.
Entretanto a música “Refuse”, é a negação de tudo o que é isto. Tem a ver com o envelhecer e o “Até Que a Morte Nos Separe (feat. NBC)” é um tema que tinha feito para uma performance com o Eduardo Breda no ano anterior, mas que reaproveitei e gravei de forma mais sussurrada e com outro tipo de programação. Achei que era interessante ter uma letra que tivesse a ver com o disco, porque antes era sobre respiração e sobre o ar. Quando comecei a pensar nela, ia sentado numa carrinha a caminho de um concerto dos “Cais Sodré Funk Connection” com o NBC ao meu lado e disse-lhe “olha tu tens uma voz tão bonita, não queres gravar aqui um texto em “Spoken Word” sobre este assunto?” e ele disse-me que sim, na boa e que faria isso no dia seguinte. E assim aconteceu.
Mais para a frente temos o “Dance” com a Larie. Ela é uma pessoa não binária e uma pessoa com quem gosto muito de trabalhar. Já a tinha conhecido e faz parte da família da “Omnichord” e também já me tinha dado uma ajuda nas redes sociais e na comunicação do primeiro disco e depois voltámos a trabalhar. Ela pediu-me para fazer um instrumental para os 10 anos da “Omnichord” e estivemos a trabalhar à volta disso. Voltámos a trabalhar no disco dos “Sangue Suor”, um projecto de 3 bateristas. Então decidi convidá-la para fazer uma participação vocal para este tema. Foi um tema que fiz de uma maneira diferente. Estive a ler sobre a escrita instantânea que é um processo em que primeiro se escreve e depois pensa-se no que se fez.
Normalmente quando vou gravar, principalmente os saxofones, já tenho o tema todo na minha cabeça, tenho o instrumental todo feito. Neste caso fiz o processo ao contrário. Liguei a pista pus-me a gravar e a primeira coisa que me veio à cabeça foi o que saiu. Sem pensar muito, sem pôr filtros e depois é que compus o tema, organizando tudo e refazendo a coisa toda. Este tema acabou por ficar muito angular, estranho e desconfortável e achei que era bom ter uma voz para colar toda a música e a Larie fez esse trabalho e ficou muito bom. Gostei muito do resultado.
Entretanto, como também já tinha feito umas colaborações com a Surma, mais atrás, quis tê-la na canção mais emocional que é o “pOLY”, que é uma espécie de canção de despedida, meio inspirada naquelas coisas dos irlandeses, nos pubs, ou nos funerais Vikings, uma coisa meio de afastamento lento.
Estes são os principais colaboradores do disco. Depois tenho claro, os músicos que são o Filipe Rocha, o baterista da banda, que gravou a maior parte das baterias, o Vasco Silva que é dos “Wails” que gravou três baterias, o João Rato que gravou o solo de teclados do “Tour de Force”, e os meus filhos (sorriso), também eles estão lá todos no disco. Adoro tê-los a participar nestas coisas.
Aliás, eu adoro o à-vontade com que eles gravam as coisas. Com o Francisco sinto um grande à-vontade porque ele até já substituiu o meu teclista algumas vezes nos concertos. Ele é um excelente músico, já está formado e é super capaz. O Vasco e Clara não estão ligados à música, já se desligaram dela, assim que puderam (risos), mas fazem umas “perninhas” e achei o máximo o à-vontade da Clara a cantar e o Vasco a tocar as pandeiretas para esse tema.
A mim sabe-me muito bem partilhar com eles o que faço, porque eles são o meu futuro e os discos são o que vai ficar para lá e é uma coisa que fica de conjunto.
J.D. – Há algum Artista que gostarias que tocasse e actuasse contigo, Português ou não e onde seria?
J.C. – Claro que sim. Assim de repente lembro-me do David Sylvian que é uma pessoa que admiro muito. Aliás, o curioso é que até já gravei com o irmão dele, porque ele tocou bateria num projecto da Susana Félix. Consegui contratá-lo e foi muito bom e que é um grande baterista, o Steve Jansen.
Não sei, acho que não sou suficiente ambicioso para ter isso muito pensado, mas por exemplo o Tom Waits, seria outro com quem gostaria de fazer uma colaboração.
O engraçado é que com as poucas pessoas com quem já trabalhei lá fora, apercebi-me que esses caminhos não são assim tão impossíveis e pela forma como algumas pessoas ficaram entusiasmadas em trabalhar comigo, até acredito que mais à frente algumas destas coisas possam vir a acontecer. Nada está fechado à partida.
Gostava também de ter uma música que fizesse parte de um filme de Hollywood. Isso era incrível. Penso que há coisas que devagarinho pode-se lá chegar.
Aliás, eu até estou em negociações para trabalhar mais nesse campeonato. Esse é um trabalho que gostava muito de fazer, o de Banda Sonora. Não é tão cansativo como andar na estrada, mas é muito desafiante.
Há uma coisa que é para mim fantástica no trabalho de estúdio que é tentar fazer uma coisa que nunca tenha feito antes e eu adoro isso. É um tentar desafiarmo-nos com o impulso que a música nos dá e como é que se reage a isso. Está-se sempre à procura de soluções novas e isso é super entusiasmante.
Penso que o que me vai manter mais jovem é a curiosidade. Enquanto isso existir e continuar a procurar coisas diferentes, penso que me manterei mais jovem, pelo menos na cabeça.
J.D. – A terminar fica a nossa pergunta da praxe. O que gostarias de dizer a quem eventualmente venha a ler esta entrevista?
J.C. – Eh, pá (risos)! Diria… vão ver os espectáculos, porque são experiências muito bonitas de partilha de amor à música com as pessoas. Penso que é isso que passa mais ao público. Vale a pena ver, não é chato (risos)… há muita gente que me diz no fim: “pensava que como era música instrumental ia ser uma grande seca (risos), mas afinal passou num instantinho. Nem dei por 1 hora e 20 a passar”. Essa é a reacção mais comum, aquela da música ser uma viagem muito variada de sons e de timbres. Aliás eu sou um chato do caraças (risos), porque não gosto de coisas muito repetitivas. Por isso vão ver os espectáculos e procurem pelo Cabrita (risos).
O Jornal Dínamo gostaria de agradecer ao Artista João Cabrita toda a atenção, disponibilidade e paciência com que nos recebeu para que esta entrevista fosse realizada num espaço ao ar livre, e no qual tivemos sorte de ter a companhia do sol para aquecer esta maravilhosa conversa.
Fotos: Pedro Sousa Filipe © Jornal Dínamo