Entrevista
Luís Nunes, o Cantor, Compositor e Produtor que assina os seus trabalhos com o nome Walter Benjamin editou dia 9 deste mês pela “Pataca Discos”, o seu novo trabalho ao qual dá o nome de “The Imaginary Life Of Rosemary And Me”, um trabalho que deverá ser sentido como um todo e ouvido do princípio ao fim sem interrupções.
No passado lançou em nome próprio vários EPs e o álbum “The National Crisis” pela extinta editora “Merzbau”.
“The Imaginary Life of Rosemary and Me”, considerado o seu trabalho mais intimista até agora, foi gravado entre Lisboa e Londres, e tem uma consistência directa, curta e densa mas rica em surpresas.
O Jornal Dínamo® teve a oportunidade de falar com o Artista que numa bonita tarde de Sol, na esplanada “Linda D´Água” no Parque Eduardo VII, nos falou da sua inspiração para este novo trabalho.
J.D. – Fale-me deste trabalho que pelo que sei é até agora o seu trabalho mais intimista e claro para matar a curiosidade… quem é a Rosemary?
W.B. – (risos) Esta foi a pergunta que recusei responder até agora… mas contornando esse obstáculo (risos)… esta vida imaginária é uma narrativa em canções que foi criado para se ouvir do princípio ao fim. É uma história em capítulos num registo pop, que eu gosto muito, e elas são feitas de forma a sobreviverem umas sem as outras. Aliás esse é o grande desafio de qualquer escritor de canções: o conseguir que uma canção possa surgir no meio de outras canções e ela própria ter uma vida própria. No entanto as músicas deste álbum estão todas relacionadas umas com as outras, mas cada uma é uma história em si, como se fossem histórias que fizessem parte de uma história maior. Esta vida imaginária é do Walter Benjamin, a personagem que eu criei e que vive uma vida paralela à minha e que tem uma vida própria também e a ideia era relacionar coisas pessoais com esse universo paralelo. Penso que alguém que cria, está sempre à procura de coisas diferentes ou do que é fascinante. Ter um outro olhar sobre a vida e sobre a realidade é uma das razões que me levou a querer escrever canções foi precisamente ter o meu próprio olhar sobre as coisas e contar a minha versão dos acontecimentos. Penso que isso é extravasar a imaginação e a música complementa muito isso, porque ela é a ligação perfeita entre as palavras e aquilo que queremos transmitir. Pode-se dizer uma frase de várias maneiras, mas a música ainda nos abre mais possibilidades para a intenção de como as coisas são ditas. Uma nota pode ser tocada de milhões de maneiras diferentes com diferentes intenções.
J.D. – Vive em Londres agora, e este trabalho foi criado precisamente entre Londres e Lisboa. Como é que foi criar um trabalho entre dois países e duas realidades diferentes?
W.B. – Isso foi muito importante porque esse é um dos centros deste disco e desta história. O próprio processo de gravação tem tudo a ver com este trabalho. Começámos a gravar em Lisboa e acabámos em Londres com músicos portugueses e músicos estrangeiros de diferentes nacionalidades e portanto é um disco que foi buscar inspiração a vários universos e isso reflecte a minha experiência pessoal.
J.D. – Será apropriado dizer que a sua música é intemporal em termos de influências?
W.B. – Sem dúvida. Tanto me posso deixar influenciar por um disco que saiu há pouco tempo como por um que já tem muitos anos. Sempre gostei dos clássicos. Qualquer profissão, ou qualquer hobbie que uma pessoa faça, se quiser fazer a sério vai ter de investigar e saber o que é que foi feito até agora. A música não nasce do vazio, ela foi construída ao longo de séculos e tem um sentido próprio, e nesse sentido cabe aos músicos depois fazer o que quiser dela. Por exemplo qualquer pessoa que estude fotografia vai obrigatoriamente ver o que é que foi feito antes e se tiver um interesse real nessa área o mais provável, é ficar fascinado por trabalhos, que foram feitos há mais tempo. Isso também é fundamental na música e eu fui inspirado por muitas delas, sejam bandas emblemáticas como os Beatles ou os Beach Boys que fundaram a pop moderna ou outros artistas que depois desse período da música fizeram muitas coisas e revolucionaram a música à sua maneira.
J.D. – Há músicos como o Bob Dylan, Leonard Cohen, Chico Buarque de Hollanda ou mesmo os Yo La Tengo que são totalmente diferentes e que o influenciaram (e tem uma coisa em comum com o Bob Dylan que é o dia de Aniversário, 24 de Maio). Já teve oportunidade de conhecer algum destes artistas que tanto o influenciaram?
W.B. – Não… aliás vi o Paul McCartney, e estive sentado ao pé dele (sorrisos), mas não tive coragem de lhe falar (risos), mas para mim isso já foi suficiente. Também conheci algumas pessoas que admiro muito. Vi o Bob Dylan ao vivo e os Yo La Tengo também, esses até várias vezes, mas nunca os conheci pessoalmente. Digamos que essa parte não é a que mais me fascina e isso tem a ver um pouco com a personagem que se cria. Eu não tenho tanto fascínio por eles enquanto pessoas, porque no fundo somos todos pessoas e somos todos mais ou menos iguais, eu sou mais fascinado pelo trabalho deles e pelo que fazem. Gosto também de ler sobre eles, aliás eu leio muita literatura sobre música, mas no sentido em que eles são case studies, Mas tenho de confessar que gostava de conhecer o Bob Dylan. Actuar também gostava (risos), mas penso que o Bob Dylan está numa fase da carreira que francamente não sei se ele estaria tão predisposto a fazê-lo. Mas sem dúvida seria um privilégio actuar com ele. Apesar de o mundo ter mudado muito, ele não o deixa de ser e há coisas das quais não se pode fugir, e penso que apesar de eu ser mais novo e outros cantores serem de outras gerações, as fontes onde vamos beber, são as mesmas. A única diferença é que hoje o acesso à informação é diferente e há coisas que aconteceram que a mim pessoalmente me influenciaram muito.
J.D. – Sei também que trabalha com artistas e músicos diferentes. Como é que se chega a trabalhar com pessoas tão diferentes e como é que tudo se processa?
W.B. – Eu tive a sorte de trabalhar com pessoas muito boas, como é o caso do Rui Fachada. Eu conheci-o na faculdade, fomos colegas e por mero acaso tínhamos interesses mútuos em relação ao que fazíamos. E começámos a tocar juntos. Foi assim que tudo começou. Éramos e somos amigos, enveredámos por carreiras diferentes, mas acabámos por interagir. Também foi interessante o trabalho com os Noiserv ou com Márcia por exemplo, mas em suma o que é importante perceber é que cada músico tem a sua personalidade e a sua música. Quando se trabalha no campo da produção, é importante respeitar a música de todos e tentar puxar o melhor de cada um deles.
J.D. – Relativamente aos “Noiserv” ou por exemplo aos “You Can´t Win, Charlie Brown”, é produtor e portanto está um pouco do outro lado, digamos que no interior da concepção de um trabalho?
W.B. – Com os “You Can´t Win, Charlie Brown”, por exemplo fiz a mistura do disco. Sim, posso dizer que há um lado meu que é fascinado pelas máquinas e pelo som que é complementar à música mas ao mesmo tempo é independente dela. Adorava os gravadores de cassetes, as mesas de mistura e os microfones e quem gosta de mexer com esse tipo de coisas acaba por amar essas coisas. Isto também tem a ver com a magia da música, porque quem faz música não consegue definitivamente viver sem ela. Mas sem dúvida esse trabalho de produção, mistura, etc… é estar do outro lado. Em relação ao meu trabalho visto vários fatos-macaco(risos), para as diferentes ocasiões. Para isso muito contribuiu o austríaco Jakob Bazora que aqui está connosco, e que foi o meu segundo par de ouvidos e que me ajudou muito a ser mais objectivo. Não é fácil produzir um disco, escrever as canções, fazer os arranjos e ainda misturar e gravar.
J.D. – Deu um concerto, este Sábado em Lisboa. Fale-me de como foi e tem sido a reacção das pessoas a este seu novo trabalho?
W.B. – Tem sido surpreendentemente boa. Eu acho que as pessoas têm gostado no geral, claro que obviamente é impossível fazer-se alguma coisa na vida e todas as pessoas gostar. Ainda não tive reacções más, mas estou à espera delas e penso que vão surgir com naturalidade. Existe sempre a crítica em relação a tudo. Neste momento sinto-me muito feliz com as reacções, e sinto que há uma diferença do meu trabalho até agora (dos que fiz até este novo). Houve um “salto” na reacção, mas penso que isso se deve também ao “salto” que se deu neste novo trabalho e penso que nesse sentido o disco foi bem-sucedido e para mim já é um grande feito.
J.D. – Tem uma noção acerca das pessoas que o ouvem? Qual é o target das pessoas que o vão ouvir?
W.B. – Por acaso há uma mistura grande. Há pessoas mais da minha geração e mais novos, mas também há pessoas mais velhas, o que me deixa muito feliz. No caso deste novo trabalho, ele não é arrojado no sentido de ser uma experimentação sónica que é absolutamente inovadora e o facto de eu ir buscar influencias a outras gerações ajuda a certas pessoas não estranharem demasiado a minha música, só que a própria música tem essa capacidade de tocar às pessoas. Qualquer música provoca uma reacção… boa ou má em todas as pessoas. Prefiro muito mais que uma pessoa tenha uma reacção, a simplesmente ignorar. A busca por novos caminhos é incessante e portanto é uma incógnita o que se vai fazer a seguir, e esse sem dúvida é o grande desafio dos músicos… saber para onde devem ir e o que fazer.
O Rui Fachada de quem já falei aqui, é uma pessoa com uma energia incrível e é uma pessoa que se sabe reinventar de uma maneira excepcional e essa é a coisa que eu mais admiro nele, enquanto artista, porque ele tem uma visão para as coisas e portanto qualquer pessoa que faça arte, tem de ter uma visão do que vai acontecer.
J.D. – Walter Benjamin é também o nome de um Filósofo. O facto de ter escolhido este nome, quer dizer que um músico é também um filósofo da música e que tal como um filósofo, passa a sua vida a estudar?
W.B. – Sim, metodologicamente falando. Um músico pinta com palavras ou pelo menos o escritor de canções fá-lo. Mesmo quando a música é instrumental, tem sempre ideias por de trás.
J.D. – Em termos das referências que me falou, há outro tipo de sonoridades que gostaria de explorar?
W.B. – Para já sinto-me muito confortável com as sonoridades que estou a explorar agora, porque para já são as sonoridades com que eu me identifico. No entanto não faço grandes planos, porque não sei para onde vou, mas acho que as coisas estão onde deveriam estar. Claro que para quem escreve canções é importante ter ideias e explorá-las e no fundo isso envolve não sei se é um estudo, mas um trabalho minimamente “literário”. Disse literário entre aspas porque não há nenhuma intenção de ser um escritor ou um poeta ou mesmo de dominar a literatura. A literatura é um campo à parte da música. O músico no entanto está sempre a estudar, ele só deixa de o fazer quando morre. Um músico tem de praticar todos os dias, se não o toque desaparece. Nesse sentido há um lado físico. Se o músico tocar, ele tem de treinar os dedos, porque se não deixa de conseguir fazê-lo.
J.D. – O que é que o inspira verdadeiramente?
W.B. – Posso dizer que tudo me inspira. Tudo pode ser uma inspiração. O meu pai adora contar histórias. Como nasceu em Angola, ele conta muitas histórias de África eu desde pequeno que adorava ouvir as histórias que ele contava, e eu penso que herdei isso dele. Tenho vontade de ouvir histórias de as absorver, sejam elas factos ou simplesmente ficção ou mesmo coisas curiosas da vida, porque na verdade a vida é feita das pequenas coisas que aprendemos e que nos acontecem e que nós nos lembramos e que nos preenchem. Eu sempre adorei imaginar pequenas histórias e coisas completamente inventadas. Ao conhecer uma pessoa, se ela me disser uma frase por exemplo, isso pode despoletar uma ideia para uma história ou para uma canção. Acho que até o tempo me inspira (risos), até um objecto pode ser uma boa fonte de inspiração.
J.D. – A terminar gostaria de lhe pedir que deixasse um pensamento ou uma mensagem a todos aqueles que possam vir a ler esta entrevista?
W.B. – Penso que estamos a viver um momento da nossa história que me faz lembrar o início do século passado. Estamos em 2012, mas na verdade estamos a entrar em 1912, em que estamos perante uma crise, numa recessão e estamos a entrar na violação de valores que conquistámos nos últimos 50/60 anos e estamos a aceitá-lo muito passivamente e o pensamento que eu deixo é que devíamos começar a repensar seriamente o nosso modelo actual, e perceber porque estamos tão adormecidos na nossa vida actual (e a tecnologia tem facilitado muito isso). Como vivemos à velocidade da luz, isso faz com que não nos consigamos aperceber do que é que nos está a acontecer. Penso que é importante reflectir acerca dos próximos 10 anos e perceber o que é que nos vai acontecer. Isto tem a ver com a música, com a arte e com todos os sectores da sociedade porque eu pessoalmente estou a ficar bastante preocupado com o que vejo e oiço acerca de Portugal. Esta é a razão pela qual me deixa mais hesitante voltar. A ideia era acabar os estudos e voltar (eu já acabei). Penso que se está a exportar os jovens deste país e nesse sentido penso que estamos a andar para trás, uma vez que Portugal não está com excesso de população está com défice.
A palavra-chave é quanto a mim: reflexão e boa disposição, porque eu sinto os portugueses mais tristes. Portugal não pode fechar, porque ele é um país não é uma empresa.
O Jornal Dínamo® agradece ao Cantor Luís Nunes aka Walter Benjamin e a “Let´s Start a Fire” a oportunidade de realizar esta entrevista.
Fotos: Pedro S. Filipe
The Imaginary Life of Rosemary and Me (2012)
Artwork by AnaMary Bilbao
Pataca Discos