Curso Livre de Cozinha
| A edição do mês de Dezembro “Curso Livre de Cozinha” teve lugar num espaço único de nome “Manja” em Marvila, pertencente a Paulo Amado, Gastrónomo.
Este é um evento que mexe com todos os sentidos, já que ao mesmo tempo que se fala de comida, ela é servida num ambiente envolvente e sempre com muita conversa à mistura.
Esta edição teve como tema a Cozinha Africana e os segredos que nos levam a viajar através de pratos maravilhosos e deliciosos. Para a apresentar, Margo Gabriel, que foi a curadora desta noite cheia de surpresas e sabores, tivemos o Chef André Magalhães. O tema foi o “Impacto Social”, que fez todo o sentido para uma noite muito alternativa.
Escritora de culinária, nasceu em Miami e considera-se uma apaixonada por conhecer novas culturas, tem um Blog que se chama “Margo’s Creative Life”, onde partilha as suas experiências, tendo já sido publicada em revistas como “Boston Art Review”, “The New York Times” e “Cuisine Noir”.
O primeiro convidado e já amigo da casa a falar sobre o prazer de comer um bom prato foi o Gastrónomo Virgílio Nogueiro Gomes. Com variadíssimos livros editados, confessou nesta noite o seu amor por África, apesar de ter ascendência transmontana. “Eu tenho muitas memórias de África, não só as emotivas da cozinha e das paisagens, mas os sons. Para além disso há uma outra coisa muito importante. Tendo estado numa festa num terreiro, perguntei porque estavam descalços, e a resposta foi bem simples… para sentir as vibrações da terra. Ou seja, a sociabilidade entre as pessoas em África é muito diferente daquela que se vive aqui e claro não posso também deixar de mencionar a música. Eu consigo identificar quatro tipos de comidas africanas, e uma coisa que não se pode dizer é que esta cozinha é “fast food”. Tudo tem uma preparação muito cuidada e é uma comida feita para alimentar a alma”.
Depois desta declaração de amor a este continente tão quente, seguiu-se a apresentação de Mariama Injai, uma empreendedora Social e criadora de um projecto que se chama “Nô Bai” uma plataforma de e-commerce, que ajuda quem deseja a colocar os seus produtos online, através de prestação de Serviços de Vídeo e Fotografia para marcas; Mentorias para a criação de negócios; Criação de Logos e Identidade Visual; Criação de Websites e Criação de PR’s. “Esta plataforma pretende conectar clientes com empreendedores afro descendentes aqui em Portugal. Temos um Marketplace por exemplo, e vendemos produtos ou serviços de empreendedores de grande variedade. A nível da comida, eu sou guineense, mas também gosto de comida de outros países africanos. É uma grande riqueza. Tudo na verdade começou com um projecto que se chamava “Afro Mary” e durante 5 anos foi evoluindo e tive oportunidade de conhecer várias pessoas afro descendentes para estas áreas que tento mostrar no “Nô Bai”. Então eu gosto de dizer que o “Nô Bai” é uma continuação do “Afro Mary”, mas tornado num negócio, porque eu estou a continuar o empoderamento e a dar visibilidade, só que agora é também uma actividade económica para nós, para ser um mercado muito mais inclusivo. Aqui agora, neste momento estamos todos a ser inclusivos nesta comunidade que é diversa e multicultural, respeitando o nosso individualismo e a nossa história. É isso que eu tenho de impactar (as pessoas e as comunidades). E é muito bonito fazer este trabalho para que seja possível estarmos por exemplo aqui hoje a partilhar os conhecimentos e as vivências”.
O Senhor que se seguiu foi Paulo Barata, um grande fotógrafo, cuja vida não o levou para outros caminhos. Hoje, é a cara-metade de um projecto com a Ana Músico muito interessante e inspirador e um dos motores da promoção da gastronomia portuguesa, no país e também lá fora que se chama “Amuse Bouche”.
Paulo Barata explicou que tem “uma costela angolana e penso que também tenho uma do Norte de África, como muita família em Olhão no Algarve e é isso que eu trago um bocadinho daí, através dos moinhos, e resolvi trazer-vos feijão branco que estive a demolhar durante a noite para vocês, porque servir pessoas é também algo que gosto muito e também de confraternizar à volta da comida. As minhas viagens já me proporcionaram grandes momentos onde estive em casa de pessoas e acabei a noite a comer na casa dessas pessoas, que é mesmo o que eu gosto. Mais do que ir a um restaurante, gosto de me deixar ir pela maré e nisso África é surreal. Já estive em todos os PALOP´s (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa) e posso dizer que África é vibrante”.
O “Amuse Bouche” é uma agência de comunicação que organiza eventos de gastronomia portuguesa e que nasceu em 2013. Para este evento, trouxeram uma já afamada feijoada e um chili que foram, sem dúvida, um dos pontos altos da noite.
O projecto seguinte chama-se “Sofia’s Place” de Ana Sofia Lopes e situa-se num dos sítios mais centrais de Lisboa, São Bento. “Eu já lido com a comida desde pequenina, sempre a ver a minha mãe a cozinhar. Agora é bom ver a família no meu espaço “Sofia’s Place”. Para mim é algo natural. A comida é beleza e ver as pessoas a desfrutar de boa comida, felizes é sem dúvida uma alegria. No meu espaço usamos alguns ingredientes que costumamos usar em casa e sabemos como preparar os pratos. É um ritual. O que eu quis fazer foi criar um conceito para a diáspora. Todos os meses temos uma “Sexta-feira da Diáspora” onde celebramos África. Convido um Chef da diáspora africana para que possa mostrar a sua cultura gastronómica. Quando se pensa em comida, geralmente pensa-se sempre em Angola, Cabo Verde, São Tomé, mas não… tudo é muito mais vasto. África tem 54 países e não podemos esquecer o Brasil e a América onde residem muitos africanos. Esta é uma forma de mostrar a nossa cultura e de nós africanos, também aprendermos acerca de nós próprios. Nós basicamente usamos os mesmos ingredientes, mas temos é diferentes nomes para lhes chamarmos e usamo-los de diferente forma. Hoje fiz um prato que se chama Totoko, e trouxe este especificamente porque não é tão conhecido. É feito com galinha, batata, massa de milho que é feita na hora, leva mandioca e há quem goste de acompanhar com arroz ou com xérem, que é uma espécie de couscous cabo-verdiano que é feito com milho, favas e que espero que todos gostem”.
O penúltimo prato a desgustar veio de Angola, pela mão de Luís Miguel ou mais conhecido como Chef Kitaba, cujo projecto situado na Quinta do Conde, chama-se “Sabores do Kitaba”. “Estou muito feliz por este convite que me foi feito e comecei a pensar no que poderia trazer para poderem degustar e que fosse diferente e um bocadinho fora daquilo que é considerado o normal. Há muitos africanos que desconhecem este prato. Só quem costuma ter o pé à beira-mar é que conhece. A geração com mais idade conhece, mas os mais jovens não, porque ao longo do tempo foi-se perdendo a tradição de o confecionar e comer. Mas falando um bocadinho de como comecei, posso dizer que comecei a cozinhar com 13 anos e a minha mãe exercia a mesma profissão e, entretanto, os meus estudos foram todos fora. Consegui bolsas de estudo e tive a sorte de aprender com pessoas com muita experiência e que eu fui colhendo. Durante muito tempo fui embaixador da cozinha angolana e o evento mais recente onde participei e que me marcou para toda a vida foi a “Expo Milão” dedicada à gastronomia e esse era também o meio de comunicação, porque uns falavam de uns nomes, outros de outros e na verdade estávamos todos a falar da mesma coisa. Lá não havia fronteiras, havia somente comida e esta foi sem dúvida uma experiência fantástica. Dando continuidade ao meu projecto e ao que foi a minha trajectória, cheguei a abrir um restaurante em Angola em 2019, mas que funcionava de uma forma um pouco diferente e de uma forma muito íntima. As pessoas para frequentarem o restaurante tinham de ser levadas por pessoas que já o frequentassem. Não havia reclames, nem uma porta aberta. Então quem era cliente, era levado e aí tornava-se cliente. Lá não fazíamos picanhas, pratos portugueses, nem brasileiros, também não fazíamos cachupa nem muamba, o caminho não era por aí. Faziamos Makaiado, Chikanda, e de uma maneira geral fazíamos tudo o que era comida de rua, não só em Angola como no Congo e de outras regiões de África. Não servíamos vinho, só mesmo em casos especiais em que fossemos fazer algum jantar com alguma influência portuguesa ou italiana. As bebidas eram maruja, sumos diversos, como de beterraba.
Tentávamos explorar ao máximo todos os produtos. O projecto só parou por causa do Covid-19. Fui obrigado a fechar (até porque em questões sociais ter apoios em Angola é muito complicado e difícil), e vim para Portugal, porque também cá tenho filhos. Aqui trabalhei para outras pessoas, depois parei, e comecei o meu projecto “Sabores do Kitaba” que ainda está numa fase embrionária. Já apareci em alguns meios de comunicação social, o que é bom e a maneira que encontrei de tentar salientar a minha cozinha, foi fazer um choco frito diferente, levá-las a experimentar e ganhar a confiança das pessoas. O choco frito é um prato universal e onde houver mar, há choco. A maneira de panar e de temperar é que é completamente diferente. Eu uso três farinhas diferentes, todas elas de milho (não uso trigo), não tempero o choco de véspera como aqui é habitual fazer, só uso alho e sal e o sabor o choco fala por si. A partir daqui vou começar a introduzir outros produtos que tenhamos em semelhança com Portugal, para depois dar o passo final que é trazer outro tipo de produtos que não se encontram cá nas grandes superfícies, mas que se encontram por muitas lojas espalhadas por Lisboa e outras cidades. Produtos que vêm de Angola, do Senegal e de outras paragens de África. Eu ainda sou jovem e ainda tenho muito para aprender e hoje estou aqui para dar o meu contributo e para dar algum do meu conhecimento com relação a África no mundo. Vou partilhar a forma como faço o choco, ou fresco ou seco. A mandioca faz parte do prato e é como se fosse o arroz que aqui se come e o quiabo é como se fosse a nossa alface, mas mais um complemento que se não se colocar perde um pouco a graça. A mandioca foi cozida com a tinta do choco e num tacho à parte temos o choco que foi cozinhado com os quiabos e com alguma mandioca para ajudar a engrossar o prato. Depois da mandioca estar 80% cozida, o caldo vai lá para dentro para ganhar o gosto do choco. A mandioca só por si não dá sabor, só quando acrescentamos o caldo é que a magia acontece”.
A terminar este menu degustação, não poderia faltar a sobremesa que foi trazida pelo “Bairro Alto Hotel”, pelas mãos do Chef Executivo Nuno Rocha e o Sub Chef Nuno Diniz. Apresentaram as iguarias que se podem degustar no “Bairro Alto Hotel” e também no Bar que ocupa hoje em dia o antigo quartel de bombeiros e que tem o nome “18.68 Cocktail Bar”, tributo ao ano em que o corpo de bombeiros voluntários de Lisboa foi apresentado pela primeira vez: Outubro de 1868.
Os Chefs, levaram os seus Pastéis de Nata feitos no “BAH” (Bairro Alto Hotel), maravilhosamente sedosos com um toque de baunilha, e igualmente feito pela Ana Sofia Lopes um Pudim de Ovos, um clássico a terminar uma bela noite, tudo acompanhado de música brasileira com um toque de África do Artista Udi Fagundes.
Fotos: Pedro Sousa Filipe