| Pode-se dizer que está a nascer uma nova geração de fadistas em Portugal.
Cantam o Fado, com uma força interior, interpretando-o à sua maneira e da forma como o sentem e o vivem.
É o caso de Marco Rodrigues. A música está no ceio da sua família, mas o fado veio depois, num amor que se conhece e aprende e não se quer jamais deixar.
O Jornal Dínamo, quis saber mais sobre este jovem, para quem o Fado, mais do que um estilo musical é uma maneira de estar na vida.
J.D. – Como é que o Fado entrou na sua vida?
M.R. – Eu nasci no Norte, mais propriamente em Amarante, onde vivi até aos 8 anos. Depois fui viver para Arcos de Valdevez e foi aí que comecei a cantar.
O meu pai é músico, toca acordeão e canta lá em cima no Alto Minho. Tem um grupo musical que faz a animação dos arraiais e festas típicas da região.
Quando tinha 8 anos comecei por cantar com ele mas outro tipo de músicas. Aliás, eu não tinha muita formação acerca deste tipo de música. Comecei por fazer alguns coros, depois a partilhar algum reportório e a ser solista também em alguns temas.
Entretanto, quando eu tinha 15 anos, os meus pais separaram-se e eu vim para Lisboa com a minha mãe.
Um dia, estava em casa a ver o programa “Bravo Bravíssimo” onde apareceu um miúdo, o João Pedro que ganhou o concurso com o Fado “Lenda da Fonte”, e ao mesmo tempo que via na televisão ia trauteando a música. A minha mãe ao ouvir achou (aquela coisa de mãe)… (risos), que eu tinha talento para cantar Fado (e ainda bem que ela assim pensou).
Decidiu então inscrever-me na “Grande Noite do Fado”, no Coliseu de Lisboa.
Aprendi a cantar dois fados, e participei como sénior, porque tinha acabado de fazer 16 anos e acabei por ganhar a “Grande Noite do Fado”.
A seguir, surge-me um convite para ir à casa de fados “Luso” conhecer os donos, e até hoje me mantenho lá a cantar, passados estes anos todos.
O meu primeiro grande contacto com o fado foi nesta casa, que me fez ficar fascinado com o ambiente, com a mística e com todo aquele clima que envolve este estilo de música.
A partir desse momento comecei a ouvir a música e os intérpretes, e comecei por assim dizer a infiltrar-me no meio do Fado.
J.D. – “Tantas Lisboas” é o segundo trabalho que edita. Fale-me um pouco dele.
M.R. – Este trabalho era uma coisa que eu queria fazer, porque não tendo eu nascido em nenhum bairro onde tipicamente se canta o Fado, como Alfama ou a Mouraria, por exemplo, e não tendo eu família no meio deste estilo musical, e portanto não tendo nascido do fado, e depois de ter editado um primeiro álbum assumidamente de Fado, comecei a ter necessidade (e aí tive muita ajuda do Tiago Machado, que foi quem produziu e fez alguns dos temas deste novo trabalho), de fazer um disco que fosse de Fado (que é), uma vez que tem 4 Fados Tradicionais, mais um medley que me lembrei de fazer, que é uma coisa que já não se fazia há muito tempo, em que se juntam 5 Fados Tradicionais num só tema, mas que mostrasse também a minha forma de ver o Fado, a minha forma de ver a música e de senti-la.
Este é um disco em que eu exponho todas as influências musicais que eu tive e tenho, porque para mim, música é isso mesmo… é mostrar as nossas influências e é isso que eu mostro também neste trabalho interpretando o Fado-Canção.
Posso dar um exemplo, o fado “Lisboa, Menina e Moça”, que eu costumo cantar é uma música que as pessoas identificam com o Fado Tradicional, no entanto esta música não tem as características de um Fado Tradicional.
E, portanto, neste trabalho “Tantas Lisboas” quis juntar o Fado Tradicional, o Fado-Canção e também que tivesse músicas que nada têm para além da minha interpretação na música, uma vez que tenho a noção de que qualquer coisa que possa fazer vai estar impreterivelmente, ligado ao Fado, porque é o estilo de música que eu tenho agora mais enraizado.
Resumindo, quis fazer algo versátil mas que as pessoas sintam ao ouvir que é a minha forma de ver o Fado.
J.D. – Para este trabalho convidou alguns Fadistas, como o Carlos do Carmo e a Mafalda Arnauth. É importante para si esta participação?
M.R. – Sim, e o mais engraçado é que as coisas aconteceram de uma forma muito natural.
A Mafalda Arnauth é uma pessoa por quem tenho um carinho muito especial e uma ligação pessoal muito grande que já vem há de há muito tempo para cá.
Ela sempre demonstrou gostar muito do meu trabalho, já desde o 1º disco.
Conhecemo-nos através de músicos que são nossos amigos em comum, e o Tiago Machado, que foi quem fez como referi parte dos temas, incluindo a “Valsa das Paixões”, achou como produtor que se tivesse um dueto com uma mulher, daria um brilho especial ao disco, e fez uma valsa.
Claro que uma valsa nos remete logo para um palácio, uma coisa muito principesca e nesse contexto faz todo o sentido que seja a Mafalda, porque ela tem o timbre de voz que nós queríamos para este dueto.
Ora havendo uma relação pessoal, e tendo feito o convite, e ela tendo gostado, e tendo aceite, faz todo os sentido e penso que o resultado foi muito positivo.
No caso do Carlos do Carmo é um privilégio enorme, porque eu comecei, a ouvir Fado também muito através dele e para mim é sem dúvida uma referência, enquanto cantor, enquanto intérprete.
Eu conheci o Carlos do Carmo no “Speakeasy”, pouco tempo depois de ter saído o meu primeiro trabalho e ele ouviu-me numa espécie de Jam Session de Fado, nesse espaço, foi uma pequena brincadeira que se fez pela presença também de outros fadistas, e acabou por ser uma pequena tertúlia improvisada e onde também estava presente o Carlos do Carmo.
No final de eu cantar, ele comentou com o Gil, o filho, que me tinha gostado muito de ouvir, e o Gil apresentou-me, o Carlos do Carmo (o pai), e eu fiquei fascinado, porque só o conhecia dos discos, e o ouvir.
Realmente quando conhecemos só um artista através dos discos, e depois ouvimos a voz à nossa frente é arrepiante e foi precisamente isso que eu senti.
Entretanto quando o conheci resolvi agarrar num CD do meu primeiro trabalho, oferecer-lhe e pedir-lhe que me desse o seu feedback, o que fez todo o sentido, pois era importantíssimo saber o que ele pensava do meu trabalho.
Curiosamente passados 2 meses, sem estar nada combinado encontramo-nos em Paris, num espectáculo que foi feito por mim pela Ana Moura e pelo Carlos do Carmo, pela ocasião do Aniversário da Rádio Alfa.
Nos camarins, acabei por lhe perguntar qual tinha sido, a sua opinião, e ele disse-me que gostava muito do meu trabalho e disse-me que havia um tema, que é o Fado “A canção da Tristeza Alegre” que dá nome ao álbum, que quando ele queria ouvir esse tema, punha o meu disco, porque gostava da forma como eu o interpretava e é um tema que ele próprio também o já cantou.
Todas estas coisas fizeram com que a minha admiração por ele fosse crescente. Para além de eu o admirar muito, acabei por começar a ter uma ligação mais pessoal com ele.
O Carlos do Carmo funcionou muito como conselheiro, e eu aproveitei o facto de ter esta relação, para tirar qualquer tipo de dúvida que tivesse, com ele, ao que sempre se mostrou completamente disponível para me ajudar. É uma pessoa de uma simpatia e de uma amabilidade enorme.
Quando surgiu a ideia de gravar este novo trabalho, só havia 2 temas como maquete. Havia o tema escrito pela Inês Pedrosa, no qual participei no Festival da Canção, há dois anos atrás em 2008, e a música do Tiago Machado e havia a ideia do “Homem do Saldanha”, e gravar este tema inteiramente dedicado a este Senhor a quem também chamam o “Senhor do Adeus”, e que não é Adeus mas sim, Olá… (sorrisos)
Eu tive o enorme prazer de falar com ele, e demonstrou-me que é uma pessoa muito mais lúcida, do que eu e uma série de pessoas que por aqui andam.
Ele identificou-se plenamente com a letra, precisamente na altura em que a letra diz “…não é Adeus é Olá que diz…”, dizendo “o curioso, é que eu penso que as pessoas acham que eu estou a afastá-las ou estou a mandá-las embora, mas não, eu estou a receber as pessoas…”.
Notei naturalmente também que ele é uma pessoa, muito interessante.
Eu disse-lhe que era do Norte, tentando fazer uma conversa de aproximação, para ele não se sentir confrontado e com medo, ele perguntou-me de onde, e eu disse-lhe que era de Amarante e automaticamente ele falou-me logo do Rio Tâmega, depois disse-lhe que era Fadista e estava a cantar no “Luso”, e ele disse-me que foi lá várias vezes com a mãe ouvir a Amália. Sem dúvida uma pessoa muito sóbria.
Mas e voltando a esse tema, quando já o tínhamos pronto, com letra, que o Tiago trabalhando com o Boss AC, ele encontrou uma forma muito directa de falar sobre esse Senhor, de uma forma muito urbana.
Fazia todo o sentido ser o Boss AC a fazê-lo uma vez que o hip-hop é também ela uma música urbana. Quem melhor do que o Boss AC, para escrever a letra que nós idealizámos.
No fim, apresentei o tema ao Carlos do Carmo, pedi-lhe a opinião sobre essa pequena maquete, e disse-lhe que estava a pensar gravar um segundo trabalho.
O feedback dele foi fantástico. Ele, entretanto ia de férias e deixei-lhe a maquete e propus-lhe fazer um dueto com a música “O Homem do Saldanha”, porque acho que tem tudo a ver com ele, é o “Homem das Castanhas” (risos), e naturalmente era um privilégio ter o Carlos do Carmo no meu trabalho.
Ele pediu-me alguns dias, porque ia até ao Algarve, e iria ouvir com calma.
O que é certo é que passado 2 dias ele ligou-me a dizer que já sabia o tema quase todo, que gostava do tema que era muito bonito e estava muito bem escrito e que estava disponível para gravar. Eu fiquei felicíssimo e sem dúvida é uma honra tê-lo a cantar no meu disco.
J.D. – Posso dizer que a sua grande referência é a saudosa Amália Rodrigues ou que ela se encontra entre as suas maiores referências?
M.R. – Quanto a influências musicais tenho algumas. Mas se falarmos de Fado, eu penso que a Amália deverá ser uma referência para todas as pessoas que cantam Fado.
Não só olhando para ela como a Grande Fadista, que ela foi, é e sempre será um grande ícone deste tipo de música, e também para outro tipo de cantores.
Não esqueçamos que a Amália cantou Flamengo como ninguém, e considerada inclusive uma das maiores intérpretes em Espanha, e portanto o reconhecimento já passa além fronteiras.
Eu não estou com isto a dizer que todas as pessoas têm obrigatoriamente que gostar da Amália, mas não podem é não a considerar como uma referência.
Para além de cantar tinha uma espontaneidade fantástica.
Sim, sem dúvida a Amália Rodrigues é uma grande referência para mim, o Carlos do Carmo é uma grande referência enquanto intérprete, enquanto expressão, enquanto forma como diz as palavras.
Há outros, por exemplo o Fernando Maurício, com o estilista, que pegava no fato do Fado e virava-o do avesso, e hoje cantava de uma forma e no dia seguinte já era de outra, com uma alma, com uma garra do outro mundo. O Alfredo Marceneiro como compositor, que compôs Fados Tradicionais brilhantes que ainda hoje são muito cantados, e depois mais contemporâneos, por exemplo o Camané.
Penso que estamos a passar uma fase em que temos uma nova geração de Fadistas, e de novos valores.
Para além destas referências que eu mencionei. Tudo aquilo que ouvimos no nosso dia-a-dia também tem que nos servir de influência na nossa música, e o Fado é riquíssimo nisso, até nas chamadas casas de Fado Vadio, onde muitas vezes cantam pessoas que são amadoras, se retira a naturalidade com que elas cantam o Fado.
J.D. – E se eu lhe perguntasse… se tivéssemos a Amália Rodrigues ainda connosco, e se lhe dissesse que ela estava aqui para cantar um Fado consigo, que Fado escolheria?
M.R. – Ui… a Amália tem tantos sucessos… bom, acho que escolheria “A Lágrima”, que é um dos Fados que me toca particularmente, tanto a nível musical como a nível de letra.
Esta escolha seria sempre difícil porque para além de tudo o que a Amália cantava, parecer que tinha sido feito para ela cantar, ela criava imagens.
Hoje em dia quando se ouve alguém cantar coisas que a Amália cantava, por muito que o cantem muito bem, que interpretem bem e até seja muito genuíno que é muito louvável, a Amália marcou os Fados.
Eu, por exemplo, canto um tema no meu primeiro trabalho, que não canto na música que foi gravada, porque uma das características do Fado Tradicional é precisamente, o podermos trocar as letras, o “Acho inúteis as palavras” que é um tema do António de Sousa Freitas, que foi cantado pela Amália ao “Fado Menor”, e eu adaptei essa letra ao Fado Menor do Porto. Não só por gostar muito dela, mas porque não me sentia nada bem a interpretar uma música com uma letra que tinha sido a Amália a cantar, mas isto sou eu a falar de mim, nem isto é uma crítica de forma alguma. Especificamente com essa letra que como disse gosto muito, eu cantava por cima e não me sentia confortável por assim dizer.
Mas acho importante haver várias interpretações, de outros cantores, pois é muito interessante ver essa diversidade.
J.D. – Sei que também toca viola. A minha pergunta é, sente-se mais confortável só a cantar e a ser acompanhado ou a cantar e a tocar ao mesmo tempo?
M.R. – Eu toco viola há 6 anos mais ou menos. Comecei a tocar no “Luso”, ia vendo e aprendendo. Não tenho formação, posso considerar que sou um auto didacta.
Posso dizer que é uma questão de hábito. Eu sinto-me confortável a cantar só com músicos a acompanhar, mas o facto de eu tocar alguns temas (não toco todos em espectáculos), faz com que eu consiga controlar algumas dinâmicas e consiga controlar o que estou a sentir, ou seja em vez de sentir só enquanto cantor, estou a fazer com que a música esteja mais ligada aquilo que estou a cantar, e esteja mais ligada à minha forma de cantar.
Antes era mais difícil e fazia-me mais confusão, hoje em dia é perfeitamente natural fazê-lo, sinto-me muito confortável e gosto muito de o fazer.
J.D. – O Fado, tem aquele peso de significar “Destino”. É assim que o vê, como um destino evolutivo?
M.R. – Um destino evolutivo no Fado não… na Música.
Porque o Fado é um estilo de música tradicional e urbana, assim sendo é um estilo de música que tem algumas características que têm de ser mexidas com pinças, com muito cuidado. No entanto, a música como qualquer tipo de arte é contemporânea.
A poesia que se escrevia há uns anos atrás, é muito diferente da que se escreve agora, a pintura também evoluiu.
Sendo o Fado um estilo de música, também sofreu evolução.
O exemplo que posso dar é o dos Fados Tradicionais: eles foram construídos num tom em que os guitarristas e os músicos só sabiam tocar nesse tom, e daí como eu já mencionei nasceram grandes estilistas como o Fernando Maurício.
Se um Fado fosse tocado numa certa nota, teria de ser cantado nessa nota, porque era a nota que os músicos sabiam tocar.
Hoje em dia é diferente. O cantor diz a nota em que quer cantar certo Fado e os músicos vão tocar nessa nota ou nesse tom.
Posso assim dizer que o fado teve algumas evoluções, mas isso aconteceu de uma forma muito natural, e para isso contribuiu a globalização e as músicas que nos chegam de outros países, que antigamente não chegavam cá.
Tudo ficava muito fechado nos bairros.
Acima de tudo e respondendo à pergunta, esta é a minha forma de ver o Fado, a minha forma de ver a música, e há pessoas que irão gostar desta forma, digamos que mais contemporânea.
O arranjo inicial de piano, no “Fado do Estudante”, surgiu de uma forma muito natural. Nesse dia tinha ido a casa do Tiago Machado para um ensaio, já no processo do disco, e ele estava a aquecer os dedos ao piano (ele é um excelente pianista), e estava a fazê-lo no tom em que eu cantava “O Fado do Estudante”. Numa de brincadeira eu comecei, a cantar com ele, e ele começou-me a acompanhar, e acabámos por criar um ambiente muito intimista… no princípio cantar “que negra sina ver-me assim…”, uma coisa muito calma, e a seguir parte para uma grande vivacidade, e uma grande alegria, tal como o era apanágio do grande Vasco Santana, enquanto estudante baldas.
Esta é a forma de eu e o Tiago Machado de vermos a música (ele que é o produtor e grande parte das ideias são dele).
Penso que só assim a música faz sentido. O Fado é a minha matriz hoje em dia.
J.D. – Que reacção espera do “Tantas Lisboas”?
M.R. – Eu esperar, espero a melhor (risos) … eu espero que seja a melhor reacção do mundo… e gostaria que todos gostassem, mas tenho noção de que o Fado é uma música muito séria e muito digna e que eu respeito muito, não só porque faço da música e mais precisamente do Fado o meu estilo de vida, ou seja o eu viver do Fado, uma vez que canto numa casa de Fados e é daí que vem o meu rendimento (e isto falando de uma forma mais crua), mas também porque acho que seria uma falta de respeito para comigo mesmo, tentar ser o tradicionalista, e tentar fazer com que as pessoas do meio do Fado achassem que eu fosse, uma pessoa com raízes no Fado.
É como digo eu gosto do Fado, e tenho um imenso respeito por ele, mas sou genuíno na forma como o desejo expressar.
J.D. – A finalizar pedia-lhe que deixasse uma mensagem a quem for ler esta entrevista?
M.R. – Oiçam muita música. A música para além de ser um hobbie para a maior parte das pessoas (e eu sou um sortudo por poder fazer da música o meu trabalho), a música traz-nos coisas muito boas. Sem ela seria complicado viver.
“Tantas Lisboas”, é lançado dia 13 de Setembro, e é o segundo trabalho deste jovem Fadista, para quem este estilo de música é a sua vida, e a sua identificação.
O Jornal Dínamo agradece a disponibilidade do Cantor Marco Rodrigues para esta entrevista que nos cedeu e agradece a sua simpatia e deseja as maiores felicidades para este e futuros trabalhos.
Um agradecimento também à Universal Portugal, por ter cedido as suas instalações para a realização desta entrevista.
Fotos: Universal Portugal