A magreza revelou-se a maior tendência de moda da próxima estação!
| Nos últimos grandes desfiles de moda, tudo indicaria que as curvas e o corpo estariam no centro da conversa: panniers dignos de ancas do século XVIII, peplums e almofadas a acentuar a cintura e curvas femininas e até próteses de mamas desfilaram nas principais semanas da moda.
No entanto, as modelos que usam todas essas curvas e contracurvas padecem delas. Segundo os dados da Vogue Business que esclarecem num “Size inclusivity report” (relatório de inclusividade de tamanhos), que têm vindo a desenvolver nos últimos anos, a magreza, que já se tinha demonstrado uma tendência em estações anteriores, atinge níveis alarmantes. Nas quatro principais cidades da moda – Nova Iorque, Londres, Milão e Paris –, 97,7% das modelos vestem entre um tamanho 30 a 34, com os restantes números divididos em 2% com modelos a vestir entre o 36 e o 42 e uns escassos 0,3% de modelos plus-size.
Nos desfiles de Outono-Inverno de Milão, que decorreram na última semana de Fevereiro, nenhuma modelo plus-size desfilou: nenhuma modelo que vestisse mais do que um tamanho 42 foi vista nas passerelles. Um pouco mais a norte e poucos dias depois, em Paris, as modelos de tamanho médio (entre o tamanho 36 e 40) e as plus-size (a partir do 42) angariaram 1,1% das modelos nos desfiles.
A cidade mais inclusiva permanece Londres, mas, ainda assim, desceu de 13% para 7% das modelos a usarem um tamanho superior a 36.
O movimento body positive que se começou a sentir na segunda metade da década passada está oficialmente fora de moda. As curvas são agora elementos de design, mas não elementos dos corpos que as envergam. A inspiração das colecções pode vir do corpo e do seu amplo leque de formas, mas a sua exposição afasta-se desta ideia.
O que parecia ser um requisito em tempos (ter modelos maiores) pela opinião pública associada à marca, parece agora nem ser uma preocupação. Para quem se senta a ver os desfiles, ou para quem acompanha em casa, modelos parecidas às pessoas com quem convivemos, que vemos na rua e que somos é como uma lufada de ar fresco no meio de um grupo de pessoas com quem nunca nos vamos parecer.
Hastings-Narayanin, editor adjunto de previsões na agência de previsão estratégica The Future Laboratory, alertou à Vogue Business que “Quando os direitos das mulheres estão restritos, há normalmente uma pressão correspondente de incorporar um ideal que não só é controlado fisicamente, como hiperfeminino e submisso ao desejo masculino”. A sua declaração é, naturalmente, justificada pelo fascínio da cultura popular pelas “Trad wives” (mulheres tradicionais, em português) que seguem o papel tradicionalista da mulher enquanto mãe, esposa e dona de casa, espelhado por dezenas de criadoras de conteúdos que deixaram as suas carreiras para atenderem às necessidades da sua família e que angariam milhares, e até milhões de seguidores, nas redes sociais. Ainda em foco a cultura popular internacional, a sobreutilização do Ozempic, um medicamento utilizado para estabilizar a diabetes tipo 2, para a perda de peso acelerada assolou as estrelas de Hollywood e espalhou-se por todo o mundo ocidental. Segundo o Expresso, em Janeiro de 2025, o Ozempic era já o quinto medicamento que mais custava ao Serviço Nacional de Saúde, já que, com a comparticipação do estado, os utentes pagam pouco mais de 10€ pelo medicamento, estimulando o uso desmedido para a perda de peso e provocando escassez para os doentes diabéticos.
Dan Hastings-Narayanin, adiciona ainda que a maneira como as curvas são exploradas na roupa “reforça a ideia de que um corpo gordo é algo performativo – algo para ser usado, mas nunca para ser verdadeiramente incorporado”.
Anastasia Vartanian discute também essa ideia num artigo para a revista Polyester em que declara que “alguns designers estão menos preocupados com vestirem o corpo de uma mulher e mais com se expressarem.” Dan Hastings-Narayanin completa que “esta tendência não é sobre inclusividade de corpos – é sobre o controlo, sobre decidir onde as curvas são ou não aceitáveis.”.
As modelos sem curvas que caminham nas passerelles são utilizadas como telas em branco. O designer, desta forma, só tem de se preocupar onde adicionar ou não volume, abatendo a preocupação que teria de ter de como determinado tecido cairia num corpo com curvas, onde ficaria preso, onde seria preciso uma pinça ou uma prega. O seu trabalho é facilitado. É de notar que as duas maiores marcas que entraram no top 10 de mais inclusivas na semana da moda de Paris, a Givenchy e a Hermès são lideradas por mulheres.
No jogo das cadeiras incessante que tem havido nas grandes casas de moda, nos últimos meses, são destituídas directoras criativas, mas, sem grande surpresa, são substituídos por mais um homem branco. A directora criativa da Dior foi substituída por um homem e o mesmo aconteceu com a Versace e com a Chanel numa questão de meses. Lembro-me de ver um episódio do programa Project Runway e, num desafio de confeccionar lingerie, um designer perguntar à sua modelo até onde tinha de forrar as cuecas de renda. Até certo ponto, o que se pode esperar de designers que desenham para um corpo desconhecido? Ao desenharem para o desconhecido, desenham num vazio ou num qualquer croqui que lhes ensinaram na faculdade, sem curvas e, certamente, 2D.
Fotos: Arquivo JD/Pedro Sousa Filipe