Biblioteca Municipal dos Olivais
| Embora pareça inacreditável, é a pura verdade: já passaram 1.000 dias (mil dias, por extenso, para que fique bem claro!) desde que, em 3 de Janeiro de 2022, encerrou para obras o Palácio do Contador-Mor, edifício no qual se encontra instalada a Biblioteca Municipal dos Olivais.
Esse milésimo dia foi alcançado na semana passada, mais precisamente no dia 28 de Setembro: 363 dias em 2022, 365 em 2023 e 272 em 2024.
Por muito que possamos especular sobre a complexidade das obras (esconderá o acanhado Palácio do Contador-Mor, na sua nova configuração, um descomunal centro de congressos, com faraónico auditório, parque de estacionamento subterrâneo, heliporto e dezenas de escadas rolantes?…), nada parece justificar estas novíssimas obras de Santa Engrácia, que se arrastam muito para além do razoável, sem qualquer explicação convincente.
Basta lembrar o histórico de alguns dos maiores desafios enfrentados por engenheiros e arquitectos.
A Torre Eiffel, em Paris, com 330 metros de altura (equivalente a um prédio de 110 andares), foi construída em menos de oitocentos dias (apenas dois anos, dois meses e cinco dias), entre 1887 e 1889.
E o mais icónico arranha-céus de Nova Iorque, o Empire State Building, com 381 metros de altura e 102 andares, foi concluído em apenas 410 dias, entre 1930 e 1931.
As “obras estruturais” no Palácio do Contador-Mor foram inicialmente anunciadas para decorrerem em 2022.
O certo é que o tempo foi passando, semana após semana, mês após mês, ano após ano, e a Biblioteca dos Olivais continua fechada a sete chaves, mais inacessível ao público que a caixa-forte do Banco de Portugal, sem que nos portões esteja ao menos afixado aquele piedoso anúncio que geralmente informa: “Lamentamos o inconveniente. Reabriremos na data X” (no caso vertente, “Reabriremos nas calendas gregas, no Dia de São Nunca à Tarde”).
No dia 27 de Fevereiro de 2024, a Senhora Presidente da Junta de Freguesia, acompanhada de alguns dos seus vogais, visitou o Palácio do Contador-Mor para se inteirar do andamento das obras.
O momento, como seria de esperar, serviu para mais uma photo opportunity, com a imagem do airoso grupo divulgada, dois dias depois, no sítio institucional da Junta de Freguesia, que garantia: “A inauguração está prevista para a Primavera, e temos muitas surpresas para si!”
Uma dessas surpresas já se conhece: foi o facto de já ter ficado para trás a Primavera, e de já ter findado o Verão, e de já estarmos, até, em pleno Outono, continuando sem qualquer notícia sobre o regresso da Biblioteca dos Olivais à sua normal actividade.
Que outros coelhos saltarão da cartola?…
Não é por falta de belas palavras que o executivo da Junta de Freguesia dos Olivais merece censura: em múltiplas ocasiões e documentos, a Biblioteca dos Olivais é pomposamente referida como “pólo cultural por excelência” e “grande referência cultural da nossa freguesia”. Só é pena que a a realidade desminta por completo esta aprimorada retórica. Ao longo dos últimos três anos, muitos milhares de pessoas, de todas as idades e condições sociais, na sua maioria residentes na freguesia dos Olivais, viram-se privados, dia após dia, do acesso livre e gratuito à cultura, aos livros, jornais, revistas e outros bens culturais.
Para quem não saiba, a Biblioteca dos Olivais integra a Rede de Bibliotecas Municipais de Lisboa (BLX), assente no princípio de que “o livro é uma ferramenta cultural que deve ser acessível a todos” e fundada na convicção de que as bibliotecas devem servir para estimular a leitura e as literacias, a cultura, a cidadania, a diversidade, a inclusão, promovendo a informação, o entretenimento, o diálogo e a reflexão crítica, e prevenindo e combatendo o isolamento social, sobretudo da população sénior.
A Rede de Bibliotecas Municipais de Lisboa visa, nas suas próprias palavras, “promover as bibliotecas como ágoras abertas de acesso universal” e “espaços abertos a todas as pessoas”. Ora, quem desde há quase três anos consulte o sítio institucional desta rede BXL depara invariavelmente, no tocante à Biblioteca dos Olivais, com esta singela informação: “A Biblioteca dos Olivais encontra-se encerrada para obras.” Um tamanho contraste (entre espaços abertos e biblioteca encerrada) só não provoca o riso por estarmos em presença de uma apagada e vil tristeza.
Mas entretanto todas as demais bibliotecas municipais lisboetas (das freguesia de Alcântara, Belém, Misericórdia, Alvalade, Parque das Nações, Campo de Ourique, São Domingos de Benfica, Lumiar, Marvila, Carnide, Avenidas Novas, Penha de França, Estrela, Arroios…) mantêm, de portas escancaradas, o seu normal de desempenho e desdobram-se em estimulantes actividades complementares da mais variada natureza (conferências, actividades educacionais, culturais, recreativas e de formação, concertos, exposições, mostras, cursos práticos…).
Os portugueses estão entre os cidadãos europeus que menos lêem, com índices de leitura, regularmente divulgados pelo Eurobarómetro, que nos envergonham: cerca de 61% dos portugueses não leram um único livro em 2020 e pouco ou nada se terá alterado desde então. Uma das explicações para esta lamentável situação é a inexistência, ou insuficiência, de incentivos à leitura.
Foi para contrariar este estado de coisas que nasceram as bibliotecas públicas.
Com excepção daquelas que parecem ter nascido para permanecerem fechadas.
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Biblioteca dos Olivais (informação lisboa.pt)
Rua Cidade de Lobito 1800-088 Lisboa
A Biblioteca dos Olivais situa-se na zona de Olivais Sul e está instalada no Palácio do Contador-Mor, numa zona tranquila entre os muitos prédios do bairro. O edifício do século XVIII remonta a uma época em que por ali havia vários outros palácios e quintas, locais de lazer de aristocratas e posteriormente da burguesia. Eça de Queiroz imortalizou uma delas nos Maias, a Quinta dos Olivais, onde Carlos da Maia e Maria Eduarda viveram o seu amor clandestino. Esta referência literária contribuiu para a preservação do actual edifício da Biblioteca, que sobreviveu à alteração da malha urbanística área oriental de Lisboa.
O espaço é composto por várias salas dedicadas a diversos géneros literários, bem como espaços específicos, onde se incluem áreas de estudo, uma sala infanto-juvenil, um espaço multiusos, uma zona dedicada à leitura de publicações periódicas, uma sala com computadores disponíveis, e uma área dedicada à banda desenhada.
Esta BLX, onde está também a Bedeteca de Lisboa, é particularmente procurada pelos amantes de Banda Desenhada. Este espaço disponibiliza títulos tão variados como revistas portuguesas dos anos 30, livros revistas estrangeiras, quadrinhos, fanzines e zines, livros de ficção e não-ficção e outras curiosidades que incluem ainda CDs, com música tocada por autores de BD. Esta colecção tem títulos dos anos 20 do século passado até os nossos dias.
A Biblioteca é gerida pela Junta de Freguesia dos Olivais e conta com várias parcerias no âmbito das quais dinamiza várias actividades de promoção da leitura, nomeadamente com escolas, incluindo também oficinas, apresentações de livros, conferências e outras actividades culturais. O jardim que rodeia o edifício, com internet gratuita e um quiosque onde se servem refeições ligeiras, faz deste espaço um local especialmente agradável para as famílias e de acesso directo à Quinta Pedagógica dos Olivais.
Fotos: lisboa.pt / Imagem de capa por Maria Fonseca