Paulina Mata, Eng. Química

 Pode-se dizer que Paulina Mata é uma expert na matéria dos alginatos. Mas afinal estamos a falar do quê em específico? O Jornal Dínamo® quis saber mais acerca deste componente que para além de existir por exemplo na comida para bebé, é usada hoje em dia na culinária como uma espécie de revolução estética.

Paulina Mata

Paulina Mata

JDGostava de começar por lhe pedir que me fale um pouco do seu trabalho?

PM – A minha formação é em engenharia química e sou professora no Departamento de Química da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, onde lecciono química orgânica. Sempre me interessei também por educação em ciência e divulgação de ciência para o público em geral. De facto acredito que uma melhor compreensão, da forma como a ciência influencia o quotidiano é essencial para uma cidadania mais consciente, crítica e interveniente e permite ainda despertar o interesse de crianças e jovens para prosseguirem os seus estudos em ciência.
Também, como hobby, sempre me interessei muito por todos os aspectos relacionados com a cozinha e a gastronomia.
Há alguns anos descobri um ramo da ciência dos alimentos denominado “Gastronomia Molecular”, que estuda a culinária a nível doméstico ou de restaurante. Despertou-me imediatamente a curiosidade, pois permitia-me aliar a cozinha à minha formação científica. Desde então muitas têm sido as descobertas e vou compreendendo melhor o que se passa na culinária.
Desde 2001, por iniciativa da Ciência Viva, envolvi-me, com um grupo de investigadores de várias universidades e centros de investigação, numa actividade denominada “A Cozinha é um Laboratório”. Esta actividade alia cozinha e ciência, ou seja usa a Gastronomia Molecular, para levar a ciência ao público em geral.
Na sequência deste trabalho aprofundei os meus conhecimentos de Gastronomia Molecular. A actividade teve também uma boa aceitação e interesse por parte do público, de escolas e de alguns chefes de cozinha.

O interesse surgiu e, eu e outros elementos da equipa, começámos a fazer cursos para chefes de cozinha sobre as novas técnicas usadas na cozinha (gelatinas quentes, utilização de alginatos e de azoto líquido) e a colaborar com alguns chefes.

JDO que são alginatos?

PM – Os alginatos são hidratos de carbono de cadeia longa, e são componentes das células de alguns tipos de algas, em particular das algas castanhas Phaeophyceae. São responsáveis pela sua estrutura e flexibilidade e impedem ainda que as algas sequem quando expostas ao ar na maré baixa. Nalgumas destas algas os alginatos chegam a corresponder a 30 – 45% do peso seco.
As algas que são a matéria-prima para a produção industrial de alginatos existem principalmente em águas temperadas ou frias. Grande parte destas são recolhidas na Califórnia e Atlântico Norte (Escócia e Noruega).
A produção mundial de alginatos ronda as 35.000 toneladas por ano.
Os alginatos têm interessantes propriedades gelificantes e consequentemente têm uma grande variedade de aplicações.

JD – Existe simplesmente um tipo de alginatos ou vários?

PM – Para simplificar, e de uma maneira muito esquemática, os alginatos são moléculas do tipo colar, cujas pérolas, G (ácido gulurónico) e M (ácido manurónico), estão associadas de modo a criar três tipos de “regiões” distintas, que apresentam diferentes formas geométricas:

  • Regiões MMMMMMMM…
  • Regiões GGGGGGGGGG…
  • Regiões em que G e M se alternam GMGMGMGM…

As características, e nomeadamente as propriedades dos alginatos como gelificantes, dependem da proporção, da distribuição e do tamanho de cada uma das zonas referidas.
Como produtos naturais, a composição dos alginatos varia com a espécie, a idade e a época da colheita da alga de onde são extraídos e com a região de proveniência. Mas as firmas produtoras misturam alginatos de distintas proveniências e com composições diferentes, de modo a fornecerem um produto padronizado, sempre com as mesmas características.
As algas produzem ainda uma mistura de vários sais do ácido algínico, os alginatos.
Considerando os alginatos que podem ser usados como aditivos alimentares, também são vários, nomeadamente o Alginato de Sódio (e401), o Alginato de Potássio (e402), o Alginato de Amónio (e403) e o Alginato de Cálcio (e404), para além do Ácido Algínico (e400).

JD – Que tipo de usos se pode dar aos alginatos?

PM – Os alginatos são produzidos em larga escala há mais de 50 anos e devido à característica que têm de formarem géis na presença de cálcio, sendo estes estáveis mesmo a temperaturas altas, têm uma grande variedade de aplicações.
Na indústria alimentar (que investiu muito na investigação deste tipo de produtos) são usados como estabilizantes, para reter a água e como espessantes ou gelificantes em bebidas, gelados, pastas de queijo para barrar, produtos de carne, produtos reconstituídos de batata, molhos, sobremesas, produtos de confeitaria e pastelaria, compotas sem açúcar… e até são usados para clarificar vinho.
Para além da indústria alimentar os alginatos são ainda usados nas indústrias têxteis, do papel, de tintas e farmacêutica. E ainda em cosmética, por exemplo em loções, cremes, champôs… são também usados em medicina, nomeadamente em medicina dentária para fazer moldes de dentes.

JD – Se os alginatos já existem em certos alimentos há tanto tempo, porque é que só agora se fala mais deste aditivo?

PM – Nas formas em que são usados pela indústria alimentar, os alginatos surgem mais ou menos escondidos e como acontece relativamente a tantos outros aditivos alimentares, não temos em geral consciência de que os estamos a consumir.
A partir do momento em que passaram a ser usados, em 2003, por Ferram Adriá para fazer os famosos caviares, os alginatos devido às suas características inovadoras e ao facto de estarem associados a um chefe de cozinha muito mediático, saltaram para as primeiras páginas dos jornais.
Houve curiosidade pela forma como eram feitos e os alginatos e passaram a ser familiares a muita gente, em particular a profissionais de cozinha e gastrónomos.

JD – Sob alguma forma, os alginatos podem ser prejudiciais para a saúde?

PM – Os estudos realizados relativamente ao uso de alginatos (em particular os de sódio, potássio e cálcio) na alimentação levaram à conclusão de que não havia evidência de qualquer risco no seu consumo nas quantidades em que são geralmente usados. Os alginatos são considerados completamente inofensivos e autorizados para alimentação, incluindo alimentos para bebés e alguns alginatos mesmo em alimentos biológicos.
De facto os alginatos não são metabolizados pelo nosso organismo, funcionando como uma fibra alimentar.

JD – Neste momento encontra-se a fazer algum trabalho com os alginatos?

PM – Os alginatos são produtos que requerem alguma experiência e persistência para uma boa utilização, pois as suas propriedades gelificantes variam com as características do líquido que se pretende gelificar. Por isso cada caso é, de certa forma, único. O que estamos a fazer com os alginatos é apenas compreender melhor este comportamento e optimizar algumas das suas aplicações em culinária.

Caviar

Alginatos usados na confecção de caviar.

JD – Os alginatos podem-se considerar algo que no futuro, vai ser um aditivo usado, como usamos, o sal ou a pimenta na culinária?

PM – Das referências que fiz antes às aplicações dos alginatos em alimentação, pode concluir-se que de facto já consumimos bastantes alginatos “escondidos”. Se na pergunta se refere às cozinhas domésticas, quando muito poderiam ser usados como a gelatina. Mas não penso que o seu uso venha a ser muito extensivo.
Eventualmente poderão ser usados para fazer algumas brincadeiras com um certo carácter lúdico ou decorativo. Acredito que dentro de algum tempo esteja disponível para o público em geral, mas não que venham a ser um produto de grande consumo.

JD – Se eu por exemplo quiser adquirir alginatos, como o poderei fazer?

PM – Neste momento não são facilmente acessíveis para o público em geral. Há empresas que os comercializam em Portugal para a indústria e para profissionais de cozinha e que eventualmente poderão fornecer a quem estiver interessado.
É também possível adquiri-los através da Internet. Claro que além do alginato é necessário adquirir um composto que seja uma fonte de cálcio, para promover a gelificação. Este pode ser adquirido nos mesmos locais.
Deve haver no entanto o cuidado de adquirir estes produtos com qualidade alimentar.

JDMuito obrigada.

Fotos: Rita Silva

Jornal DÍNAMO
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