Quanto à peça em si, quisemos saber como lidou com o texto e como se inspirou para desenvolver a sua personagem. “Considero este texto muito forte e no início quando li a peça, pensei… “Oh Meu Deus… as minhas avós, os meus pais vão ver e ouvir isto” (risos) … mas naturalmente depois comecei a perceber que o intuito de toda a peça e se correr bem, é as pessoas se fixarem precisamente na peça, e deixar a crueza do texto mais de lado. Até porque na realidade, as pessoas na sua intimidade quando estão irritadas ou menos bem, também dizem certas coisas… as mesmas provavelmente, que as personagens dizem no palco, portanto o mais importante é mesmo encarar isso de uma forma muito profissional. Eu não me baseei em ninguém específico para fazer a Alice, mas sim na vida das pessoas de uma maneira geral. No caso da Alice ela passa pela rejeição do namorado, mas podia ser a rejeição de outra coisa qualquer. O facto de as pessoas não conseguirem cumprir os seus objectivos ou não conseguirem lidar com o fracasso e não se aperceberem no momento que o fracasso é muito importante, porque as pessoas ao saberem lidar com ele, vão conseguir chegar à vitória, esse sim é o cerne da questão. O processo e a maneira como nós lidamos, com esses obstáculos é fundamental para chegar onde queremos. Quanto mais consciência tivermos (que faz parte da nossa vida lidarmos com os falhanços e com as vitórias) mais depressa chegamos aos nossos objectivos. Sem dúvida que todos nós já passámos por situações complicadas na vida. Eu baseei-me em coisas que se passaram comigo, noutras que se passaram com amigas minhas, com os meus pais e com pessoas que conheci. Baseei-me em filmes, livros e noutras coisas que me tocaram mais pessoalmente. Isto é uma peça sobre relações e eu espero que as pessoas tenham muita vontade de chorar e rir ao mesmo tempo a ver esta peça de teatro”.
Não quisemos deixar de falar com Renato Godinho, o Actor que desempenha o papel de Daniel, e saber como se sentiu na sua pele. “As coisas surgem um pouco por intuição, mas de alguma forma eu consigo identificar-me com o Daniel em alguns pontos. Esta peça tem essa particularidade, é uma peça de exposição para os actores. Eu acho que esta é uma peça para actores corajosos. Pode parecer mal dizer isto porque eu sou um dos actores, mas quando digo corajosos é no sentido qualitativo, no sentido de processo, do caminho a tomar, da coragem, da verdade, de enfrentarmos e de expormos as nossas fraquezas e os nossos problemas, e eu cruzei-me com o Daniel em muitos problemas, dúvidas e questões que ele tem como por exemplo as crises existenciais. Nesse sentido consegui compreender muito bem esta personagem.
Daniel é uma personagem atormentada, que não tem uma relação que seja fácil. Chora todas as noites pela mãe que morreu, tem um pai que lhe é indiferente, e com as mulheres, sofre no sentido em que ele sente que quer estar com quem não está, e quer estar bem onde não está. Pode-se dizer que é um homem perdido. Apesar de ele ser um Rapaz/Homem com 35 anos, como revela no início da peça, ele na verdade é um miúdo perdido, com uma alma perdida, à procura… constantemente à procura de algo que não encontra. Todas essas coisas o preenchem, mas do mesmo tempo que o fazem deixam-no vazio do outro lado e é sempre esse vazio que ele tenta preencher, e assim que preenche, deixa o outro vazio, e é essa busca que lhe provoca a angústia, porque nunca consegue estar completo. A única coisa que ele não suporta é a solidão e portanto acima de tudo ele não quer é estar sozinho”.
Renato Godinho é também um Actor que trabalha em TV, Teatro e em Dobragens, estando para além disso envolvido na criação do “Departamento de Actores”, que irá nascer em Cascais. Perguntámos-lhe, se existe a possibilidade de as pessoas que vierem ver a peça, se identificarem com situações ou textos, o Actor foi peremptório na sua resposta. “Eu acho que se o nosso trabalho não falhar é muito difícil não haver uma pessoa que em alguma situação não se identifique com alguma das personagens, nestas 12 cenas, ou mesmo com estas quatro personagens. É muito difícil uma pessoa sentar-se durante o tempo que o espectáculo dura e não se identificar em vários momentos com alguma situação que já passou ou com alguma frase que lhe toque mais pessoalmente. O que é interessante é aquela ambiguidade de corrermos o risco de as pessoas tomarem partidos e fazeres julgamentos morais e a certa altura da peça haver até uma compreensão em relação a uma das personagens que já se estava a hostilizar um bocadinho. Espero que isso aconteça com as pessoas, porque na própria peça isso acontece. Aquela tomada de consciência de “afinal eu compreendo-te”. Todas as personagens têm um percurso e esse percurso quando recebemos a peça como espectador, pode levar-nos a um julgamento moral que de repente pode ser destruído por uma frase dita ou uma situação com que nos identificamos”.
Por fim, mas não menos importante, quisemos falar com o Actor Rui Mendes um dos mestres na arte do teatro, que desta vez encontramos na encenação de “Closer”, e a quem pedimos que nos contasse, como se deu esta aventura. “Quando li a peça, apaixonei-me completamente pelo texto. Nunca a tinha lido, não tinha visto o filme nem nenhuma das versões que já foram feitas quer em Portugal ou no estrangeiro. Li este texto desafiado pelo Renato Godinho, que me lançou este repto e depois de o ler achei-o magnifico… fiquei até bastante admirado de haver neste momento em Inglaterra um dramaturgo com esta arte, habilidade e talento de construir uma peça com quatro personagens tão rica de cambiantes e intenções, com um retrato tão real e tão forte das contingências por que passam os nossos contemporâneos e nós próprios, mas sobretudo nas idades entre os 20 e os 35/40anos, que são as idades destas personagens, com tanta realidade e tanta força. Curiosamente eu que sou um apaixonado por Anton Tchekhov, e uma das coisas que eu pensei foi o seguinte: se o Tchekhov fosse vivo hoje, 110 anos depois de ter vivido, morasse em Inglaterra e pensasse o que pensava, era bem capaz de escrever uma peça deste tipo. Ou seja uma peça em que os humanos são simultaneamente criticados, desculpados e justificados, aliás como as personagens do Tchekhov fazem. Não há uma atitude crítica e violenta, ninguém é completamente mau, nem completamente bom, tal como na vida real a maioria das pessoas não o são. Todos somos capazes de sermos bons e maus, e há alturas que quando perdemos as estribeiras sai cá para fora o que não devia sair. Isso acontece a muitas pessoas. Há ainda um outro aspecto, que é o da verdade nas relações entre as pessoas. Não é muito fácil para nós sermos inteiramente verdadeiros nem com a pessoa que amamos ou com quem vivemos. Há sempre uma reserva… qualquer coisa que se esconde… e que se esconde para não prejudicar, não magoar. Mas quando duas pessoas se amam ou julgam que se amam, ou pelo menos sentiram atracção uma pela outra e exigem a verdade do outro, quando descobrem que afinal essa verdade não veio é uma grande desilusão, e é uma grande desilusão como diz o Tchekov “porque as pessoas não sabem viver”, não têm o talento para viver e serem felizes com o que está ao seu alcance e isso é uma das coisas que esta peça retrata”.
A finalizar esta entrevista, quisemos perguntar a Rui Mendes, o que pensa acerca do Amor entre as personagens, se ele existe ou se são simplesmente acasos. “Eu penso que o amor entre as personagens existe. Um dia Patrick Marver, disse numa resposta a um crítico, que considera que cinco anos é mais ou menos o tempo que leva para o amor nascer, crescer, desenvolver-se e começar a fraquejar. Eu penso que o Amor tem muitas mais coisas. Faz parte do Amor a atracção física e sexual, mas também fazem parte outras coisas como o companheirismo, a compreensão, a tolerância e isso é outra fase do Amor, e penso que estas personagens, pelo facto do mundo que as rodeia não as deixar chegar a essa fase, faz com que procurem sempre outras coisas, e se calhar posso dizer que esta é uma característica da época em que vivemos, talvez até um mal da nossa época. Esta peça foi escrita em 1997, quando o autor tinha 33 anos. Ele foi actor (creio que ainda é), escreve peças para teatro, e tem inclusive uma peça sobre a Menina Júlia, do Strindberg que se chama “After Miss Julia”, e que nunca li, mas que penso ler, pois fiquei completamente apaixonado pela sua escrita”.
“Closer”, estreia amanhã dia 22 de Fevereiro, pelas 21H30 no Auditório do Casino Estoril.
Para mais informações, poderá visitar o website do Casino Estoril.
Fotos: Pedro Filipe / Casino Estoril